I. Doses Homeopáticas
As perturbações psíquicas resultam do caos sexual da nossa sociedade. Durante anos e anos esse caos tem tido a função de submeter as pessoas às condições sociais existentes. Em outras palavras, internalizar a mecanização da vida pouco a pouco, fazer que os indivíduos percam a confiança neles mesmos. As pessoas educadas nesse ambiente de repressão e negação da vida e do sexo acabam contraindo angústia de prazer. É essa angústia que é terreno para a criação das ideologias fascistas e das ditaduras. O orgasmo nos mantém afastados da morte e nos ajuda a suportar essa sociedade. Doses diárias de prazer são necessárias para manter-nos longe das políticas reacionárias. Gozar.
Dizem que o ácido lisérgico não deve ser ingerido em estados de ânimos escuros, triste, deprimidos, pois é uma droga que altera e é alterada pelas condições psíquicas do usuário. Por isso é uma droga que nos obriga a estar conscientes de si. Ninguém quer naufragar na viagem e por isso o LSD deve ser engolido como quem toma o veneno diluído da homeopatia e com o cuidado de quem vai nadar em alto-mar.
A homeopatia é baseada no princípio conhecido como “semelhante por semelhante” se cura. Para curar os sintomas de uma doença é preciso descobrir primeiro que substancia causa o mal-estar e então diluí-lo em água. A homeopatia defende que a água guarda as propriedades dos compostos que estiveram em contato com suas moléculas anteriormente. A comunidade cientifica, muitos homens, nega tal teoria alegando que a agua em estado líquido é incapaz de formar estruturas organizadas que durem mais do que umas frações de nanosegundos. Mas, não é um nanosegundo de experiência o suficientemente real para gerar uma memória?
Minha memória favorita de LSD acontece dentro do mar. Estava olhando pra praia, com outras mulheres por perto. Longe da areia, enquanto a maré subia, nos sentíamos protegidas e brincávamos. É muito bom estar dentro d’água, quando tudo que existe é água e podemos nos abandonar e afundar e ainda assim boiaríamos. Não é a tristeza o princípio de todos os males? Deveríamos talvez engolir pedacinhos de papel embebidos em lágrimas?
Nossa sabedoria nos empodera. Nossa sabedoria erótica é a lente pela qual vemos nossa existência. Fomos criadas para temer nossas profundidades, nossos mais profundos apetites. Mas Temer, jamais. Dizem que o monstro é muito sexual, é um delinquente imoral. Tudo que toca sua pele se contamina… E ainda assim, eu o desejo, você o deseja. Temer o monstro é, na verdade, querer ser um monstro. É um desejo sempre latente. Viver sempre com fome. Temerários e penitentes, vocês não sabem que a fome transforma a alma em fera?
Tocar, apertar, gemer e gritar: manifestar também a loucura. A loucura que é um abrupto abismo que observamos nos olhos das pessoas, nos fios de voz que saem de suas gargantas. Uma mulher é um ritual de luta. Uma mulher é um mergulho sem escafandro. De fato, para todas nós a verdadeira batalha contra os opressores começa debaixo da nossa pele, nos nossos abismos.
Temos que voltar a amar o prazer sobre todas as coisas. Evitar as doenças. Sanar o mundo a golpes de orgasmo. Para que em seguida, ao regressar dos encantos de amor, nos sintamos tão leves e satisfeitas que possamos amar até mesmo as bestas.
II. Língua de Bruxas
O homem pode ser louco. O pensamento, não. Penso, logo não estou louco. Não estou louco, logo sou. Na tradição do pensamento, a loucura está associada ao não-ser. Não cabe ao louco saber de si. Por ele falam as instituições.
Pensar a loucura é anular a loucura. Todo aquele que tenta explicar esse Outro com ajuda da linguagem acaba anulando sua existência disléxica. Tentar traduzir a experiência da loucura é só mais uma pose, uma parte da repressão, da violência contra a loucura e contra o louco que a manifesta.
O pensamento ocidental concede superioridade ao masculino em relação ao feminino, sempre o outro e o objeto do homem. Quantas vezes já não escutamos que somos umas loucas? Mas eu falo em línguas. Faremos caso omisso irresponsavelmente das psicanalisadas deitadas no diva? A experiência analítica depende sempre de um oprimido, cuja necessidade de comunicar é explorada (como as bruxas, que não podiam fazer outra coisa que não fosse repetir, sob tortura, a linguagem que os inquisidores queriam ouvir). O psicanalisado não tem outra opção salvo tentar dizer o que querem que se diga, se não quiser quebrar o contrato que lhe permite falar. Temos que admitir que Lacan encontrou o que encontrou graças a nossa necessidade insatisfeita de comunicar, nossa necessidade de inventar momentos para a invenção de si. As bruxas inventamos a psicanálise. Seguiremos falando em línguas.
Se somos o que eles dizem que somos, nos afogamos. Afogadas, cuspimos no escuro. Brigando com a nossa própria sombra o silêncio nos sepulta. Mas o silêncio não vai nos enterrar. Cuspimos no mais escuro dos mares. A existência dos monstros é a prova de os sujeitos não existem. Vocês não existem. Mas ao contrário, eles, os monstros, estão sempre aqui. Existimos.
III. Aquários e pedras
Construímos um muro para deter a avalanche de matéria inorgânica, orgânica, psíquica que nos sacode com descaras de pedras, mares, olhos e gritos. Por que não incluir juntos dos homens da ¨verdade¨ as loucas e loucos? O que aconteceria si nos deixáramos quebrar e arrasar? Breton não admite que está morto a um Artaud ¨curado¨ que insiste em que seu amigo está morto. Quebra, assim, ao não assumir-se morto, a transferência entre ele e Antonin: contradiz o psicótico, solta a corda da boia. Isto é justamente o que não deve ser feito. Não se deve contradizer aquilo que amas. Si for necessário, deverias aceitar a morte em vida e viver com outro corpo, vestido com outra pele, outro rosto, outro nome. Deverias deixar-te arrastar até o fundo de sua piscina e se afogar com ele. Olhar o mundo através do espelho d´água de seu aquário.
O mar pertence às sereias devoradoras de homens, aos golfinhos e às medusas, aos monstros abissais. O mar é dos barcos naufragados em gargantas de baleias. No mar estamos bem. Seremos obrigadas a sair da água? Vestir peles que não nos deixam respirar para passear pelas ruas dos homens? Mulher, não encha o mar de lágrimas. Eu nunca vi uma sereia chorar.
Ser testemunha é suportar a solidão de uma responsabilidade e suportar a responsabilidade, precisamente, da solidão. Ninguém pode falar desde o ponto de vista da testemunha sem por em risco toda a ideia do compromisso histórico que isso significa. Virginia atende ao chamado da água, e ao chamado justamente da responsabilidade de atender a esse chamado, e não se deixa suicidar: se suicida. Enche seus bolsos de pedras. Decisões. Deveríamos começar nossa coleção de pedras?
Esse compromisso, esse chamado do passado, é o que obriga a testemunha a tornar público, com sua voz, a voz daqueles que já não podem testemunhar. Depois de tantos testemunhos, como fazer as pazes com o opressor? Não estamos em paz. Quando escuto o som do opressor, seus ataques, sua voz y risos, diminuo por dentro, caminho grudada às paredes da minha alma, busco um lugar pra me esconder.
Já vivi no profundo e a profundeza começou a falar comigo. A profundeza me ensinou a outra verdade. Olha para tua profundidade, reza para tua profundidade, acorda os mortos. Para reencontrar a alma, os antigos iam aos desertos. Isso é uma imagem. Nós propomos outra. A quem respondemos, de verdade? Mulheres mágicas deveríamos ir juntos ao mar.
I. Dosis Homeopáticas / Homeopathic Dose
Las perturbaciones psíquicas son el resultado del caos sexual originado por la naturaleza de nuestra sociedad. Durante miles de años ese caos ha tenido como función el sometimiento de las personas a las condiciones sociales existentes, en otras palabras, internalizar la mecanización de la vida, haciendo perder a los individuos la confianza en sí mismos. El individuo educado en una atmósfera de negación de la vida y del sexo contrae angustia del placer. Esa angustia del placer es el terreno sobre el cual el individuo recrea las ideologías negadoras de la vida que son la base de las dictaduras. El orgasmo nos aleja de la muerte y nos ayuda a soportar esa sociedad. Dosis diarias de placer son necesarias para mantenernos alejados de las políticas reaccionarias. Dicen que el ácido lisérgico no debe tomarse en estados de ánimos oscuros, tristes o deprimidos, pues es una droga que altera y es alterada por las condiciones psíquicas del usuario. Por eso, es una droga que nos obliga a estar conscientes de uno mismo. Nadie quiere naufragar en el viaje, por eso el LSD debe de ser tomado como quien bebe el veneno diluido de la homeopatía y con el cuidado de quien va a nadar en alta mar.
La homeopatía se basa en el principio del “semejante por el semejante se cura”. Para curar los síntomas de una enfermedad es necesario descubrir primero que compuesto provoca esos síntomas, diluirlo y dárselo al paciente. El principio homeopático defiende que el agua guarda las propiedades de compuestos que habían estado en contacto con sus moléculas anteriormente. La comunidad científica (muchos hombres) rechaza tal teoría alegando que el agua en estado líquido es incapaz de formar estructuras ordenadas que duren más de unas fracciones de nanosegundos. Pero, ¿no es un nanosegundo de experiencia lo suficientemente real para generar una memoria? Mi memoria favorita del LSD es desde dentro de la mar, con otras mujeres. Alejadas de la arena, mientras subía la marea, tan protegidas por la oleada, en su subir constante y juguetón, que no queríamos, no podíamos volver a la tierra. Se está muy bien dentro del agua, cuando todo es agua y una puede dejarse caer, pero flota. ¿No es la tristeza el principio de todos los males? ¿Deberíamos engullir trocitos de papel bañados en lágrimas? Nuestra sabiduría nos empodera, nuestra sabiduría erótica es la lente por la cual miramos nuestra existencia. Fuimos creadas para temer nuestras profundidades, nuestros más profundos apetitos. Pero… ¡Temer, jamás! Dicen que el monstruo es demasiado sexual, es un delincuente. Todo lo que toca su piel se contamina… (Y aun así, yo lo deseo, tú lo deseas). Temer el monstruo es, en realidad, querer ser un monstruo. Es un deseo siempre latente. Vivir siempre con hambre. Temerarios y penitentes, ¿no sabéis que el hambre transforma el alma en bestia? Tocar, apretar, gemir y gritar: manifestar también la locura. La locura que es un abrupto abismo que observamos en los ojos de las personas, en los hilos de voz que salen de sus gargantas. Una mujer es un ritual de lucha. Una mujer es un buceo sin escafandra. De hecho, para todas nosotras, la verdadera batalla contra los opresores empieza bajo nuestra piel, en nuestros abismos. Hay que volver a amar el placer sobre todas las cosas. Evitar las enfermedades. Sanear el mundo a golpes de orgasmo. Para que a continuación, al regresar de estos encantos de amor, se sienta una tan ligera y satisfecha que se pueda amar incluso a los monstruos…
Psychological disturbances are the result of a sexual chaos originating from the nature of our society. Throughout thousands of years, the function of this chaos has been the submission of people to existing social conditions, in other words, internalizing the mechanization of life, causing individuals to lose confidence in themselves. The individual educated in an atmosphere of negation of life and of sex contracts anguish from pleasure. This anguish from pleasure is the ground on which the individual reproduces the denial-of-life ideologies that are the basis of dictatorships. The orgasm moves us away from death and helps us to endure such a society. Daily doses of pleasure are necessary to keep us away from reactionary politics. They say that lysergic acid should not be taken in dark, sad or depressed moods, as it is a drug that alters and is altered by the psychological condition of the user. For this reason, it is a drug that forces us to be aware of ourselves. Nobody wants to be shipwrecked on the journey, so LSD is a drug that must be taken like those who drink the diluted venom of homeopathy and with the care of those who choose to swim in high seas.
Homeopathy is based on the principle of “like cures like”. To cure the symptoms of an illness it is necessary to first discover which compound caused the symptoms, dilute this compound and give it to the patient. The homeopathic principle states that the water in the solution maintains the properties of compounds with which it has had previous molecular contact. The scientific community (many men) reject such a theory, claiming that water in a liquid state is incapable of forming ordered structures lasting more than fractions of nanoseconds. But, isn’t a nanosecond of experience sufficiently real to generate a memory? My favorite memory of LSD comes from within the sea, with other women. Freed from the sand, as the tide rose, us so protected by the surge, in its steady and seductive climb, that we would not, could not return to the earth. All is well in the water, when all is made of water and you could just let yourself fall in, but instead you float. Is not sadness the beginning of all evils? Should we not devour pieces of paper bathed in tears? Our wisdom empowers us; our erotic wisdom is the lens through which we view our existence. We were created to fear our own depths, our most profound appetites. But… fear, no more! They say that the freak is too sexual, a criminal, a bandit. All that touches its skin is contaminated… (and even so, I desire it, you desire it). To fear the freak is, in reality, to want to be a freak, it is an always-latent desire. To live always with hunger. Rash and penitent, don’t you know that hunger turns the soul into a beast? To touch, squeeze, moan and shout: manifest madness. Madness that is an abrupt abyss that we observe in the eyes of people, in the threads of voice that escape their throats. A woman is a ritual of struggle. A woman is a dive without a suit. In fact, for all of us women, the real battle against the oppressors begins beneath our skin, in our abysses. We must return to loving pleasure over all things. Avoid illnesses. Repair the world with the blows of orgasm. So that, upon returning to these charms of love, one feels such a lightness and satisfaction that one can love even the freaks…
II. Lengua de Brujas / The Language of Witches
El hombre puede ser loco. El pensamiento, no. Pienso, luego no estoy loco. No estoy loco, luego soy. En la tradición del pensamiento la locura está asociada al no-ser. No le cabe al loco saber de sí mismo, por él hablan las instituciones psiquiátricas, la sociedad. Pensar la locura es anular la locura. Todo aquel que intenta explicar ese otro con ayuda del lenguaje está anulando su existencia disléxica. Intentar traducir la experiencia de la locura es tan solo una pose, parte de la represión, de la violencia contra la locura y contra el loco que la manifiesta.
El pensamiento occidental otorga superioridad a lo masculino frente a lo femenino, considerando que lo femenino es el “otro” y el “objeto” del hombre. ¿Cuántas veces hemos escuchado que somos locas? Pero yo hablo en lenguas. ¿Haremos caso omiso irresponsablemente de los discursos de las psicoanalizadas tumbadas sobre el diván? La experiencia analítica depende de un oprimido, que es el psicoanalizado, cuya necesidad de comunicar se explota (igual que las brujas no podían antaño más que repetir bajo tortura el lenguaje que los inquisidores querían oír); al psicoanalizado no le queda más elección (si no quiere romper el contrato implícito que le permite comunicarse y del que tiene necesidad) que intentar decir lo que se quiere que diga. Habrá que admitir que Lacan encontró lo que encontró gracias a nuestra necesidad de comunicar, nuestra necesidad de inventar momentos para la invención de sí. Las brujas hemos inventado el psicoanálisis. Seguiremos hablando en lenguas.
Si somos lo que dicen que somos, nos ahogamos. Ahogadas, escupimos el oscuro. Peleando con nuestra propia sombra, el silencio nos sepulta. Pero el silencio no nos sepultará. Escupimos el más oscuro de los mares. La existencia de los monstruos es prueba de que los sujetos no existen. No existís. En cambio, ellos -los monstruos- están siempre aquí. Existimos.
Man can be crazy, not thought. I think, then I am not crazy. I am not crazy, then I am. In the tradition of thought madness is associated with not-being. The madman cannot know himself, for through him speak the psychiatric institutions, speaks society. To think of madness is to suppress madness. All who try to explain this other with the help of language is nullifying the dyslexic existence of the other. To try to translate the experience of madness is only a pose, part of the repression, of the violence against madness and the madwoman who manifests it.
Western thought awards superiority to the masculine over the feminine, considering that the feminine is the “other” and the “object” of man. How many times have we heard that we women are crazy? But I speak in tongues. Will we irresponsibly ignore the discourses of psychoanalysts lying on the couch? The analytic experience depends on the oppressed, who is the psychoanalyzed, whose necessity to communicate exploits her (just as the witches under torture could not but repeat the language that the inquisitors wanted to hear); the psychoanalyst has no choice (if they do not want to break the implicit and necessary contract that permits them to communicate) but to try to say what they are wanted to say. It must be admitted that Lacan found what he found thanks to our need to communicate, our need to invent moments for the invention of himself. Witches have invented psychoanalysis. We continue speaking in tongues.
If we are what they say we are, we drown. Drowned, we spit out the darkness. Fighting with our own shadow, silence buries us. But silence does not bury us. We spit out the darkest of the seas. The existence of freaks, of monsters is evidence that subjects do not exist. You do not exist. On the other hand, them- the monsters- are always here. We exist.
III. Acuarios y piedras / Aquariums and Stones
Hemos construido un muro para detener la avalancha de materia inorgánica, orgánica, psíquica que nos sacude con descargas de piedras, mares, ojos y gritos. ¿Por qué no incluir junto a los hombres “de la verdad” a las locas y locos? ¿Qué pasaría si nos dejáramos romper y arrasar? Breton no admite que está muerto a un “curado” Artaud que insiste que su amigo ha muerto. Rompe, al no asumirse muerto, la transferencia entre él y Antonin: contradice al psicótico, suelta la cuerda de la boya. Eso es justamente lo que no debes hacer. No deberías contradecir a lo que amas. Si fuese necesario, deberías aceptar la muerte en vida y vivirla con otro cuerpo, vestido con otra piel, otro rostro, otro nombre. Deberías dejarte arrastrar hasta el fondo de su piscina y ahogarte con él. Mirar el mundo a través del espejo de agua de su acuario. La mar pertenece a las sirenas devoradoras de hombres, a los delfines y medusas, a los monstruos abisales. La mar es de los barcos naufragados en gargantas de ballenas. En la mar estamos bien. ¿Seremos obligadas a salir del agua? ¿Vestir pieles que no nos dejan respirar para pasear por las calles de los hombres? Mujer, no llenes la mar de lágrimas. Yo nunca he visto una sirena llorar. Dar testimonio es soportar la soledad de una responsabilidad y soportar la responsabilidad, precisamente, de la soledad. Nadie puede hablar desde el punto de vista del testigo sin poner en riesgo toda la idea del compromiso histórico que eso significa. Virginia atiende al llamado del agua, y al llamado precisamente de la responsabilidad de atender a ese llamado, y no se deja suicidar: se suicida. Llena sus bolsillos de piedras. Decisiones. ¿Deberíamos empezar nuestra colección de piedras? Ese compromiso, ese nombramiento, ese llamado desde el pasado es justamente lo que obliga el testigo a tornar público, con su voz, la voz de aquellos que no pueden testimoniar. ¿Después de tantos testimonios, como reconciliarnos con el opresor? No estamos reconciliadas. Cuando escucho el ruido del opresor, sus rabietas, sus voces y sus risas me empequeñezco por dentro, camino pegada a las paredes de mi alma, busco un lugar para esconderme. He vivido en la profundidad, y la profundidad ha comenzado a hablarme. La profundidad me enseño la otra verdad. Mira en tu profundidad, reza a tu profundidad, despierta a los muertos. Para encontrar su alma, los antiguos iban al desierto. Esto es una imagen. Nosotras proponemos otra. ¿A quiénes respondemos de verdad? Mujeres mágicas, deberíamos ir juntas a la mar.
We have constructed a wall to hold the avalanche of material- inorganic, organic, psychological- that shakes us with the unloading of rocks, seas, eyes and shouts. Why not include next to “real” men the madwomen and madmen? What would happen if we let ourselves be broken and laid waste to? Breton does not admit that he is dead to a “cured” Artaud who insists that his friend has died. He breaks, not assuming himself dead, the transfer between him and Antonin: contradicts the psychotic, loosens the rope on the buoy. This is just what you should not do. You shouldn’t contradict what you love. If this were necessary, you should accept death in life and live it with another body, dressed in another skin, another face, another name. You should let yourself be dragged to the bottom of the pool and drown with it. Look at the world from a mirror of water in her aquarium. Witnessing is to bear the loneliness of a responsibility and to bear the responsibility, precisely, of the loneliness. No one can speak from the point of view of the witness without putting at risk the whole idea of the historical commitment that this means. Virginia attends to the call of the water, and to the call precisely of the responsibility to take care of that call, and does not allow itself to commit suicide: it commits suicide. Fill your pockets with stones. Decisions. Should we start our collection of stones? The ocean belongs to the mermaids devouring men, to the dolphins and jellyfish, to the monsters of the abyss. It belongs to the shipwrecked boats in the throats of whales. In the ocean, we are okay. Will we be obligated to get out of the water? Dress in skins that do not let us breathe, to walk about in the streets of men? Woman, do not fill the ocean of tears. I have never seen a mermaid cry. This compromise, this naming, this call from the past is exactly what compels the witness to make public the voice of those who cannot testify with their voice. After all of these testimonies, how do we reconcile with the oppressor? We are not reconciled. When I hear the noise of the oppressor, his tantrums, his voices and smiles, I shrink inside, walk close to the walls of my soul, I look for a place to hide. I have lived in the depths, and the depths have begun to speak to me. The depths taught me the other truth. Look into your depths, pray to your depth, awaken the dead. To encounter your soul, the ancients went to the desert. This is an image. We propose another. To whom do we truly respond? Magical women, we should go together to the sea.
* Sujeito Triste, iniciado em 2016, é um projeto que partiu de anotações e citações, costumeiramente coletadas por Sofia, sobre os temas da tristeza, da melancolia e da loucura feminina. Uma ideia de melancolia herdada que nasceu no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da artista, sobre sua avó materna, realizado em 2011. Em 2016, integrando o evento Habitar la Intimidad, constituído por uma série de encontros, happenings, leituras e projeções, promovido pelo Espacio Nigredo, em Madrid, Sofia apresentou uma primeira leitura do ensaio Her house on the water, um exercício de apropriação e polifonia, e um desafio colocado pela artista a ela mesma. Ainda em 2016, o curador Alfredo Aracil, que pesquisa o tema da loucura, entrou em contato com a artista, propondo sua participação na exposição Apuntes para una psiquiatría destructiva, realizada em 2017 na Sala de Arte Joven, a partir do edital Se Busca Comisario da Comunidad de Madrid. Sofia deu então continuidade ao projeto Sujeito Triste, participando com uma instalação que incluía uma primeira versão do vídeo (em castelhano), trabalhado sobre metáforas aquáticas, apresentado aqui no HIPOCAMPO, junto ao ensaio, na mostra do acervo HIPOCAMPO #7, em abril de 2020. A nova versão do vídeo, que acompanha o ensaio nesta publicação, é inédita e foi produzida em 2022, em português.
Sofia Bauchwitz é artista visual e educadora, formada em artes visuais (UFRN, 2012), mestra em Pesquisa em Arte e Criação pela Universidade Complutense de Madri (2013) e doutora em Belas Artes pela mesma instituição (2017). Sua tese El artista errante y el discurso como cartografia gira em torno de problemáticas do corpo sem forma e a não-identidade nas práticas artísticas contemporâneas. Como artista, sua obra visita diversos meios e formatos, prevalecendo a influência literária e a busca pelo ensaio polifônico e as narrativas pessoais. Foi exposta em: Arnhem Museum (Holanda), Sala de Arte Joven de Madrid (Espanha), Centro de Arte Complutense (Madrid, Espanha) e MAK Center (Los Angeles, EUA). Entre 2014 e 2016 realizou o projeto itinerante de cartografia de discursos artísticos, Fronteiras e Estados de Sítio, que contou com três edições (Pinacoteca do Estado do RN, 2014; Casa do Brasil em Madrid, 2016; Centro de Arte Complutense, 2016). É colaboradora do espaço de pensamento artístico Bólide1050, em Natal, RN.