Maíra Endo: Para você, ser uma artista-etc é uma tática de sobrevivência ou um “tipo” de processo criativo e existencial? Ou nada disso?
Marcelo Amorim: Pra mim ser artista-etc é uma maneira de retroalimentar meu processo criativo, sinto que as situações que eu crio para estar em contato com demais agentes da arte irriga meus lugares de criação. De outro modo talvez minha vida e meus processos criativos ficassem circunscritos às minhas próprias noções.
ME: Como o compromisso primordial da arte contemporânea com o experimentalismo está relacionado ao processo de expansão (ou não) de seu público/audiência?
MA: Acredito que é vital para a arte se expandir para além de seu público de iniciados, mas isso passa por alguns pontos. O primeiro é de não capitular em entretenimento. Em um mundo em que tornou-se fácil contabilizar e mapear a audiência através de likes e outros gestos da virtualidade, a popularidade é usada como moeda de troca. Instrumentalizar a arte para tais fins gera resultados distantes da ideia de experimentação. O segundo ponto é não subestimar o público. Na minha opinião é necessário criar lugares em que questões possam emergir ao invés de serem impostas. Criar circunstâncias de comunicação com múltiplas vias, camadas e sentidos de tráfego, evitando o modelo tradicional de emissor e receptor. De certo modo a noção de ativar o público implica de alguma maneira considerá-lo inativo.
ME: Como você vê a influência do mercado e seus paradigmas sobre o circuito artístico auto-organizado ou independente?
MA: O mercado tem uma força gravitacional poderosa e acredito que por algum tempo o circuito independente se baseou em seu paradigmas, em alguns momentos replicando sua aparência e modos de operar de modo irrefletido, outros com fins críticos ou até de paródia. De todo modo, hoje percebo que o paradigma da “vitrine” não faz tanto sentido para os artistas. O teatro do glamour que precisa ser criado ao redor do produto como modo de persuadir o cliente, é extremamente desgastante e caro mesmo de se manter. Ele vale a pena quando no fim da operação se desenrola a venda de fato. Não é o caso do circuito autogerido. A meu ver, para os artistas faz muito mais sentido utilizar a ideia de ateliê como modelo. Se uma xícara de café cai por acidente no piso do espaço expositivo de uma galeria isso pode ser uma grande tragédia, se o mesmo ocorre no espaço de um ateliê é apenas mais um resquício de ações que ali se passaram e se somam. O espaço do ateliê é mais próximo da vida. É mais urgente oferecer espaços de liberdade e disponibilizar recursos para a emergência da arte enquanto experimento, afinal vendê-la é um passo posterior. Hoje vejo cada vez mais iniciativas que propõem residências, encontros, ateliês temporários, chamadas para publicações, ações mais voltadas para a produção. Mesmo quando a questão é a exibição e circulação, as iniciativas mais interessantes tendem a pôr em questão noções pré-estabelecidas de exposição.
ME: Qual deveria ser o papel dos museus e grandes instituições artísticas hoje para além da realização de mega exposições para grandes audiências?
MA: Nós precisamos dos museus e das instituições artísticas, são lugares de troca importantíssimos, mas da mesma maneira alguns têm sucumbido como um lugar de entretenimento. Sempre usam a retórica de que o museu que trata de arte contemporânea é elitista como pretexto para cancelar programas mais experimentais ou mesmo sucatear e fechar espaços. Acredito então que se não cabe mais aos museus e instituições de grande porte o papel de fomentar a arte atual e seus riscos, poderiam reconhecer o papel das iniciativas independentes e criar maneiras de nutrir e amparar esses espaços.
ME: Qual a importância dos espaços independentes, ou auto-organizados, como lugares de pensamento crítico e exercício do experimental dentro do sistema da arte contemporânea?
MA: Os espaços auto-organizados têm oferecido o que há de mais vibrante e crítico dentro do sistema da arte contemporânea, sua independência reside na ausência de compromissos com os poderes refletindo em uma programação mais livre, superando a falta de recursos com as redes de apoio criadas pelos próprios artistas e outros agentes. É imprescindível para um sistema que se queira fortalecido facilitar a existência de outros mundos das artes.