http: // (a + b)2 = a 2 + 2ab + b 2

http: // (a + b)2 = a 2 + 2ab + b 2

 

14/03/17 01:06:38: A: Oi. Nunca pensei que terminaria com você, muito menos assim de forma tão abrupta. Fico com a sensação de que vivemos realmente em mundos diferentes.

14/03/17 01:07:13: A: Sonhei passar o resto dos meus dias ao seu lado.

14/03/17 01:10:11: A: Agora é parar, respirar e re-sonhar tudo novamente.

14/03/17 01:39:56: A: Está aí?

14/03/17 01:59:27: A: Ainda te amo.

 

Visualizou e não respondeu. Seu artigo para aquela revista de Portugal ainda não estava pronto e o prazo estava cada vez mais curto. Não é fácil estudar o presente, dizia a si mesmo, como forma de sentir menos culpa pelo bloqueio criativo. Melhor seria pesquisar assuntos batidos, autores mortos, a segunda guerra, o sexo dos dinossauros.

Sua grande paixão era mesmo se debruçar sobre os dilemas contemporâneos das relações em tempos de internet. Passava horas em aplicativos de encontros, de fotos, de comida, de hospedagem, de filmes raros, de meditação budista. Para ele, tudo que estava acontecendo no campo da esfera virtual era o que importava, mesmo que isso significasse deixar de lado sua própria vida pessoal.

O artigo começava mais ou menos assim: Num cenário de infinitas questões decorrentes das mudanças que o avanço tecnológico e os processos de modernização da vida proporcionam às pessoas, a internet tem sido a protagonista mais presente e cada vez mais tem se tornado um objeto de pesquisa, de discussão e de julgamentos.

Por isso às vezes sentia-se escravo da tecnologia e das facilidades que ela lhe proporcionava. Mas a culpa passava ao perceber que, assim como ele, milhares de pessoas também preferiam o virtual.

Estar online, para ele, era estar vivo.

 

15/03/17 00:17:23: B: Também te amo, mas separados somos mais fortes

15/03/17 00:17:41: B: Vim pensando nisso enquanto esperava ônibus na rua

15/03/17 00:17:45: B: Na chuva

15/03/17 00:18:07: B: Não sabia o que era lágrima e o que era chuva

15/03/17 00:18:13: B: Era tudo uma coisa só

 

Respondeu às mensagens no dia seguinte. Claro que estava triste com a situação toda, mas não tinha tempo para pensar em suas próprias desgraças enquanto havia um mundo todo passando por transformações tão fascinantes.

A senha do w-fi era seu maior desejo. A internet era sua droga. Seu alívio. Seu cigarro com café depois do almoço. Tinha ataques de pânico quando seu plano de dados acabava e nunca se sentia sozinho enquanto estava conectado.

Mas ainda precisava terminar seu texto. E seu namoro. Ficava pensando que o ideal seriam relações amorosas datadas, com prazo de validade. Se soubesse que não ia durar muito, não teria de se preocupar com o futuro, com viagens, com adoção de gatos, nem com o jantar da noite seguinte.

Tomou coragem e ligou. Ligou e conversaram sobre o porquê das relações modernas estarem tão superficiais, sobre a vida em comunidade retratada na bíblia no livro de atos, sobre o desperdício de energia na torre Eiffel, sobre os ovos de chocolate já estarem sendo vendidos logo após o carnaval, sobre a ilusão hereditária das crianças em acreditar nos coelhinhos e no papai-noel, e de tanto dinheiro gasto com presentes de aniversário, presentes de natal, presentes do dia dos namorados, presentes do dia dos pais e das mães, nos likes em suas fotos do instagram, quando na verdade o que ele queria era um abraço.

Queria um abraço e terminar o texto. Desligou. E escreveu: Percebe-se que a evolução da comunicação e da sociedade nos trouxe a este não-lugar, este tempo em que nossas ações, nossas ideias, nossas opiniões, nossas fotos e nossos vídeos, além de confirmadas pelos nossos pares ou pelo público em geral, têm mais ou menos importância pela soma do número de likes.

Pensava, então, que a vida virtual era apenas uma vitrine e isso não era necessariamente ruim. Gostava de deslizar seus dedos para cima e para baixo no celular e ver onde seus amigos estavam, o que comiam e analisava os melhores ângulos de suas selfies.

 

15/03/17 17:33:29: B: Continue me apagando dos seus registros

15/03/17 17:33:39: B: Me excluindo do Fb

15/03/17 17:33:45: B: Do instagram

15/03/17:33:59: B: Mas nunca vai me esquecer

15/03/17 17:34:05: B: O mundo da voltas

15/03/17 17:34:29: B: Me passe tbm o número da sua conta e quanto te devo

15/03/17 17:35:26: A: Por que a gente acabou assim?

 

Não entendeu porque tinha sido bloqueado. Para ele isso era pior que o término em si. Uma coisa era não ver mais a pessoa, não compartilhar mais sonhos ou escovas de dente. Mas excluir de seu círculo de contatos nas redes sociais era o fim. Era uma traição.

Não conseguia mais pensar em nada, nem escrever seu artigo. Como alguém tinha sido capaz de matá-lo virtualmente, ainda mais uma pessoa com quem dividiu tantos momentos? As fotos no instagram provavam isso. As conversas de whatsapp também. Isso não se faz, dizia repetidamente a si mesmo. Isso não se faz.

https://www.google.com.br/search?biw=1247&bih=607&tbm=isch&sa=1&ei=x7ydWtPtJuG8ggf6yp_wAg&q=wolfgang+tillmans&oq=wolfgang+&gs_l=psy-ab.3.2.0l2j0i67k1j0l7.13010.14263.0.16974.9.7.0.0.0.0.344.685.3-2.2.0….0…1c.1.64.psy-ab..7.2.685….0.K8HiO27I-Po

Queria sumir, mudar de país, se possível de mundo. Nunca alguém tinha desprezado tanto sua existência a este ponto. Nunca pensou que o assunto que tanto gostava de estudar tinha se tornado realidade em sua vida. Sentia-se um lixo eletrônico descartável. Não via mais sentido em acordar, sabendo que alguém não tinha mais interesse em ver sua foto do café da manhã e curtir seu check-in na padaria gourmet.

Pensou na dificuldade que tinha em se envolver emocionalmente com alguém e nenhum discurso filosófico serviria de apoio naquele momento. Releu parte do texto que já havia escrito e mergulhou num ambiente de solidão onde jamais havia se visto.

Escreveu, escreveu, escreveu, até as pontas de seus dedos ficarem inchadas. Não entendia porque tinha tanto prazer em estar online, quando havia alguém que só queria sua presença.

Terminou o texto. Não gostou do resultado final, mas tinha certeza de que tudo que viveu nos últimos meses contribuiu para que, no mínimo, suas ideias fossem honestas e condizentes com a realidade, pelo menos a dele. Não importava mais os aplicativos, nem a conexão. Queria mais. Queria de volta sua vida, mas não sabia como.

Resolveu procurá-lo e conversar pessoalmente. Mandou um e-mail e saiu. Esperou por meia hora no local que se conheceram e observava como as pessoas estavam sozinhas com seus telefones. Esperou mais meia hora e postou uma foto de sua cerveja artesanal. Esperou dez pessoas curtirem a foto e ligou.

 

Este telefone encontra-se desligado ou fora da área de serviço. Deixe seu rec…

 

Sem resposta, esperou mais oito minutos. Os oito minutos de duração de seu cigarro light. Nada. Sofria sozinho o bloqueio, agora não apenas online. Ligou de novo, mas não deu tempo de conversarem.

Acabou a bateria.

 

 

* A imagem da chamada desta publicação é da obra “Nós não temos a hora certa”, de Leonilson.

 

Lucas Guedes é jornalista, pole dancer, pesquisador e produtor cultural. Nasceu em São Paulo (1981) e mora em Brasília. É também mestre em Divulgação Científica e Cultural pela Unicamp e especialista em Mídia, informação e cultura pela USP. Escreveu o livro w w w . o d i o - a internet na mira do mal em 2006, que aborda diversas formas de preconceito na rede. Desenvolve projetos nas áreas de produção cultural e comunicação criativa desde 2005, em instituições públicas, privadas e independentes, além de trabalhar como freelancer em projetos de edição, criação, tradução e revisão de textos.