Parece que o ar nunca esteve tão denso. Uma nuvem cinza (que vem lá da Amazônia) paira sobre todos nós. Foram ao lixo anos de luta pela democracia e pelo direito do trabalhador. Há quem diga que a batalha está perdida pois ao fim de 2022 não há de sobrar pedra sobre pedra. É possível, é provável, mas ainda não é fato.
Fato é que há tempos não estamos, enquanto po(l)vo, tão sensíveis ao que acontece na arena política de nosso país. Claro, desde o fim da ditadura, muitos de nós vínhamos lutando para chegar à superfície, à terra encantada da democracia: encorpando movimentos populares (ou de classe), fortalecendo nossas instituições (de acordo com os interesses de uma ou outra gestão), auto-organizando-se, empreendendo, dialogando, ligando, e caímos de novo.
A sexta edição invade sua vida neste momento em que o fundo do poço parece um destino inevitável. Assim como a Luta. Afinal, não podemos amargar a derrota sem uma boa briga.
É tempo, já há tempos, de descentralizar, de micropolítica, de movimento coletivo, de organização comunitária, de redes de colaboração, de estudar a História do Brasil, de desobediência civil, de colocar muito, muito amor no trabalho. É tempo de rua, de sair do ateliê, da biblioteca, do escritório, da sala de aula, de casa, e buscar comparsas, fazer juntos. O HIPOCAMPO #6 é uma convocação, uma chacoalhada no braço, um empurrãozinho pra frente. Porque acabaram as férias.
< O olho que tudo vê >
Ricardo Basbaum abre a edição com um registro em vídeo do projeto É a questão, intervenção urbana viral realizada em diversos locais da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), ao longo do Programa do Artista Residente, entre abril e novembro de 1987. O vídeo tem participação do artista e do (meu) ex-professor no Instituto de Artes da Unicamp, Marco do Valle, da cantora Ná Ozetti e do músico Jorge Barrão, dentre outros.
< Revoada de borboletas sobre grades de ventilação do metrô >
No vídeo Mundo Flutuante, criado e co-dirigido por Cacá Toledo, Daniel Seda fala sobre suas inquietações e intenções enquanto artista contemporâneo e sobre a intervenção OFU – Objetos Flutuantes Urbanos, que se utiliza da técnica do origami para falar de sutileza no sobrepujante meio urbano paulistano. A obra foi instalada nas grades de ventilação do metrô que ficam em frente ao Parque Trianon, na avenida Paulista, em 2014.
< A rua como zona de confronto >
Ali do Espírito Santo estréia no HIPOCAMPO com o vídeo-registro da ação artística de guerrilha urbana TAPUME, realizada em 2015 em colaboração com Vinícius Rodrigues. De dia, de noite, munido de cola e lambe-lambes confeccionados a partir de fotografias e tinta spray, trazendo as frase Nos vingaremos e Somos o seu pesadelo!, o artista percorreu os muros da cidade de Porto Alegre.
< Nem uma a menos >
Com o vídeo Vemos, uma compilação de impressões sobre a marcha Ni una a menos (Nem uma a menos) – projeções imaginárias alimentadas pela memória, desejos e afetos -, Marina Mayumi é a segunda a debutar nesta edição do HIPOCAMPO. Ni una a menos, um grito coletivo para dizer basta de feminicídios, aconteceu no dia 13 de junho de 2015, na Plaza Congreso, em Buenos Aires.
< Amazonas, icamiabas, Cleópatras, Joanas D’Arc, Marias Quitérias, Capitús, Pagús >
O teaser de Helena Vadia, vídeo de 2017, dirigido e editado por Natasha Marzliak, traz trechos da performance-palestra de Pâmella Villanova, construída a partir do estudo das obras de Eurípedes, Bettany Hughes, Sophie Chaveau, Jean-Paul Sartre, Valentine de Saint-Point, Homero, Octavio Paz, Anäisnin, entre outros autores. Helena é uma mulher produto do tempo e da história: livre, com tesão e pronta para confrontar o moralismo e implodir os bons costumes.
< Sangramos porque é guerra >
Sangramos, Guerra, Δ e Eu Abel. tu abismo. são os 4 vídeos propostos por Irma Brown, mais uma estreante no HIPOCAMPO, e Moacyr Campelo para o projeto O Obscuro fichário dos artistas mundanos, sob curadoria de Clarissa Diniz e Gleyce Heitor, em 2016. Tendo como contexto e personagem protagonista a cidade onde Irma nasceu e vive, Recife, com quem se relaciona em profundidade, xs artistxs usam de uma linguagem crua para falar de decolonização, feminismo, política e afeto.
< Para decolonizar, acessar modo esquizo >
A #6 traz a primeira publicação de Dani Spadotto: CORPO FRACTAL | Movimentos indiscerníveis para uma guerrilha tácita. No ensaio, produzido este ano, a artista fala do sistema de criação do filme-performance Elegia Obscena, em processo, que assume a esquizofrenia como princípio poético e saber desterritorializado e inerente ao ser humano, capaz de descolonizar o pensamento (capitalista neoliberal) e subverter a linguagem. A publicação, que inclui 7 cenas do filme-performance e seus storyboards, absorve uma característica específica do pensamento e modo de ser esquizo: a desordem labiríntica.
< Obedecer não é viver >
Também debutando no HIPOCAMPO, Bruno Mendonça apresenta Speech, peça spoken word insurgente, realizada entre 2015 e 2016 a partir da edição da canção Children of the Korn, parte do álbum Follow the Leader, da banda Korn (1998). Speech critica abertamente a ideia de autoridade – da família como colonizadora à polícia – e os costumes ainda castrantes da sociedade capitalista neoliberal. Foi criada durante a residência artística EXPLODE!, parte do projeto Queer City.
< Desobediência civil is not a crime >
Último estreante desta edição, o Laboratório Cisco é um núcleo de pesquisa e produção audiovisual, formado por Coraci Ruiz, Julio Matos e Hidalgo Romero. Chegam chegando com o longa-metragem documental Chão de Fábrica, de 2018, dirigido por Hidalgo Romero e Renato Tapajós, que conta a história no Novo Sindicalismo no Brasil, isto é, a história das lutas sindicais e políticas dos trabalhadores, fazendo uma ponte com o contexto político atual.
< Desobedecer e/ou morrer >
No ensaio Os corpos dissidentes de gênero nas artes visuais como reação à necropolítica, produzido este ano, Maíra Freitas toma como exemplo o vídeo Sérgio e Simone (2009), da artista visual baiana Virgínia de Medeiros, para pensar a construção do corpo no vídeo e como sua representação pode significar a construção de um território de resistência e desobediência no campo das artes e uma resposta estético-política aos dispositivos de extermínio.
< Na periferia da periferia, descentralizar é preciso, já >
Das Bordas e das Desbordas: uma [Re]Virada é preciso, texto escrito este ano por Jurandy Valença, diretor adjunto do Centro Cultural São Paulo, fala sobre o processo de descentralização da Virada Cultural paulistana, sobre planejamento urbano e a necessidade de políticas públicas de cultura que contemplem a cidade como um todo.
< Permissão para fazer parte da história: a ser concedida >
Em A HISTÓRIA DA _RTE contada por Bruno Moreschi, texto de 2018, Lucila Vilela faz uma breve análise dos resultados que Bruno Moreschi alcança no projeto A HISTÓRIA DA _RTE, enquanto pesquisa que se apresenta como obra e que convoca a uma revisão da história da arte. Afinal, a história da arte deve dar conta de “todas” as manifestações artísticas que aconteceram no mundo até hoje, não havendo porque posicionar uma luz cegante sobre as pinturas produzidas por homens brancos, europeus e estadunidenses.
< O riso para confortar (não confundir com conformar) >
Tiago Judas traz para a vida cotidiana, de forma bem humorada, um dos cânones (se é que essa palavra ainda pode ser usada neste lugar) da história da arte na série de 6 intervenções, de 2014, intitulada Sobre a História da Arte, feita sobre o livro best-seller A História da Arte, do austríaco Ernst Gombrich.
< Auto-organização é (um)a solução! >
A seção A Cena de Arte Auto-organizada traz o artigo (em espanhol) Espacios autogestionados y Artes Mediáticas en Argentina, de 2011, onde Mariela Cantú fala da relação que as artes midiáticas mantinham com as instituições que as abrigavam naquele momento, em especial espaços, projetos e plataformas autogeridas. Mariela destaca as mudanças na forma de produção, circulação e legitimação deste circuito emergente auto-organizado, uma alternativa ao modelo convencional de instituição cultural.