Quarta edição | outubro 2018

 

A quarta edição do HIPOCAMPO chega a você, leitor, em um momento histórico de nosso país. Depois do segundo turno das eleições, quando o candidato de extrema direita recebeu o maior apoio da população e levou a faixa presidencial, resta, a todos os OUTROS, aceitar o fato de que uma onda conservadora (que não aceita as múltiplas formas de amar e de sentir-se no mundo, que quer as mulheres cuidando da casa e dos filhos), neoliberal (que quer o Estado mínimo, a privatização de serviços públicos básicos), recalcada (que foi ou é oprimida ou infeliz, que culpa o governo por tudo o que não deu certo em suas vidas) e ignorante (que teima em não entender porque o Estado é laico, acredita na idoneidade do presidente eleito, acha que a solução para a violência é armar o povo ao invés de educar e distribuir renda), submergiu as mentes e os corações dos fracos de espírito. Resta-nos RESISTIR.

Começamos com Água Anônima | devaneio, vídeo de Natasha Marzliak criado sobre trecho de A Água e os Sonhos, do filósofo e poeta francês Gaston Bachelard (1884-1962). O trabalho tem uma atmosfera de sonho: jacente às margens de um rio, um corpo repousa sobre as pedras revestidas de musgo, inerte, sem vida, como que imerso num sono profundo. Absorvido pelo que pulsa no entorno, embalado pelo correr da água, aquele corpo devaneia sobre sua terra natal, procura por si.

O Cimitero Monumentale Verano é um dos incríveis cemitérios de Roma. Instalado no início do século XIX e famoso por seus monumentos e tumbas obras de arte, é dele que Marcelo Beso fala no poema inédito publicado no HIPOCAMPO #4: um cemitério vivo, habitado por uma abundância de espécimes vegetais, gatos, pássaros e, claro, o sol.

Em Paragem das Conchas: uma expedição ao útero da linguagem, Lilian Maus faz um relato mais que especial sobre sua experiência transformadora no programa de residência do espaço cultural aberto El Parche, em Palomino, Colômbia, entre 2015 e 2016. Ali, como se tivesse atravessado um portal para uma outra existência, seu corpo e espírito amalgamam-se com perfeição, em modo time-lapse, às vísceras de uma natureza vívida.

Em Farnese – um léxico da Morte, Ana Luisa Lima desvela a experiência com a obra do incompreendido artista mineiro Farnese de Andrade (1926-1996). A dificuldade em interpretar os trabalhos de Farnese, para a autora, reside na falta de um léxico da morte, ou da linguagem dos mortos, conhecimento parte das culturas complexas que foram praticamente exterminadas pela hegemonia das culturas européias.

Claudia Rodriguez-Ponga dá início ao texto Death by Selfie: uma reflexão sobre a pulsão de morte, a moda selfie e o sonho do autômato, relacionando a moda selfie à mortes e “suicídios acidentais”. Segue falando do seriado Black Mirror, das redes sociais, dos autômatos, de rituais, retratos e autorretratos fúnebres, ficções científicas e das pontes entre imagem e corpo, imagem e objeto e imagem e morte.

Em O mais profundo é a pele, Jurandy Valença apresenta a perturbadora obra do fotógrafo nova-iorquino Roger Ballen, que frequentemente trazia pessoas em situações ‘marginalizadas’ dentro de espaços caóticos e claustrofóbicos. Ballen começou muito jovem a fotografar pequenas comunidades rurais do país e, entre o começo da década de 80 e 2008, produziu várias séries de fotografias que ficam no limite entre o fotojornalismo e a fotografia artística.

Maíra Freitas analisa o filme Belarmino, de 1964, com realização de Fernando Lopes e produção de Cunha Telles, no que ficou conhecido como o Primeiro Período do Cinema Novo Português, que delimita-se entre os anos de 1963 e 1966. Em O Reviralhismo em Belarmino: um estado de fra(n)queza considerável, a autora destaca as inovações ligadas à obra em questão e investiga como a autoralidade cinematográfica adquire contornos políticos nesse documentário realizado durante a vigência do Estado Novo ditador de Salazar.

INflexos Transcorpo em órbita com Hub Livre é a peça sonora experimental que Paloma Klis(y)s produziu em um estúdio móvel, com microfone aberto, montado sobre uma bicicleta. Durante o SP na Rua de 2015, vagou pelas ruas de São Paulo captando, entre os transeuntes, falas absurdas, diálogos incomuns, solilóquios e fragmentos de conversas e pensamentos. Contribuíram para a massa sonora Lombra Kills, sons da Nasa, Mc Galo, Fabiana Faleiros, Lavoura (Nu Steps, Abhay, Highlights), Grupo Rumo – Ladeira da Memória.

Encerro esta edição com o lançamento de uma seção dentro do HIPOCAMPO, voltada para o estudo e a investigação da cena de arte auto-organizada (ou independente, autônoma, alternativa), entendida como uma nova potência dentro do sistema da arte das grandes cidades brasileiras, especialmente São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife. Nas próximas edições, serão publicados conteúdos produzidos pela pesquisa CÓRTEX (www.cortex.art.br), conduzida por mim desde 2016, juntamente à conteúdos de colaboradores. Começamos com o texto A auto-organização no campo da arte. Partiu!

 

Maíra Endo
Curadora-editora do HIPOCAMPO #4