Edição #7 | abril 2020

De repente instaura-se um novo modo de viver que, ao menos enquanto nos adaptamos, traduz-se por uma pausa na vida, e alguns sacrifícios. A grande novidade é que esse novo modo de viver vale para todxs: a humanidade tem um implacável inimigo em comum. E aí, subitamente, nos lembramos que pertencemos todxs a um mesmo grupo, uma mesma comunidade formada por seres humanos.

Sobrevivemos se agirmos separadamente juntos, coletivamente, como um só corpo descomunal e fragmentado, uma grande banda de música experimental orquestrada via videoconferência. Não há um caminho alternativo a ser tomado, não há precedentes, são tempos nunca antes vividos.

E quando a vida entra em pausa de forma tão abrupta, são alguns dias de cabeça atordoada, de desconforto, até serem definidas e internalizadas novas rotinas e hábitos, adaptadas as metodologias e atualizadas as ferramentas de convívio, compartilhamento e troca. Mais vários dias para a real retomada do trabalho, o debate com colaboradorxs, a reinvenção e a escolha de novas estratégias, adaptadas à nova realidade. E muitos mais (muitos mesmo) para o entendimento da cadeia de acontecimentos que nos trouxe até esse momento extraordinário que experimentamos, tateamos.

Enquanto tudo isso segue em processo, resta-nos aceitar a fragilidade de nossa existência dentro de sistemas e ecossistemas cada vez mais complexos e desequilibrados, respectivamente criados e modificados por nós mesmxs, seres humanos.

O distanciamento social e a vida em pausa, nos empurram ao pensamento, à reflexão, à analise, à avaliação, à autocrítica. Dançamos uma nova música. Nesse processo, podemos escolher a racionalidade e as ciências todas; ou buscar o caminho da espiritualização, conectarmo-nos ao místico, ao oculto, ao sonho, ao ritual, ao sobrenatural. E alimentarmos nossas almas e corações de arquivos, acervos, bibliotecas, videotecas, memórias de todo tipo. Parece mesmo que só há uma notícia do dia.

E como o HIPOCAMPO vive de arquivo, de memórias acumuladas de nossos incríveis colaboradores, ao menos por aqui, é vida que segue, existindo, resistindo. Editada sob confinamento e dedicada a todos os trabalhadores da saúde, física e mental, a sétima edição do HIPOCAMPO dá as boas vindas axs novxs colaboradorxs – Desali, Marco Paulo Rolla e Sofia Bauchwitz – e espera ajudar nossos leitores-espectadores a preencher o vazio existencial. 

Há mais de 25 anos, em 1994, enquanto observava propagandas de colchão, Marco Paulo Rolla pegou-se refletindo sobre a falsa promessa do paraíso colocada sobre um produto, uma das selvagerias do capitalismo. Deu início então à uma série de desenhos que, nos anos seguintes, passou a incluir um múltiplo em serigrafia e Vacuum Forming e uma instalação performativa. A série Confortável, de Marco Paulo Rolla, abre a sétima edição em grande estilo.

Organizada por Lucila Vilela em 2014, a exposição virtual de Tony Camargo traz 4 trabalhos da série Videomódulos. Os vídeos, pictóricos e de curtíssima duração, partem de instalações performativas, carregadas de mato e sucata. No quadro, um sujeito em princípio estático, o próprio artista, embrenhado em balões coloridos de forma quase imperceptível, passa a agitar-se vigorosamente numa espécie de dança ou luta. Enquanto isso, retângulos coloridos computadorizados invadem a imagem.

Produzido para a exposição Nave Tropical, realizada na Maumau, em Recife, em 2015, o vídeo eumefodo, de Irma Brown em colaboração com Ana Lira, compila uma série de denúncias, relacionadas a temas como a Copa do Mundo no Brasil, o funcionalismo público e os privilégios do alto escalão e falcatruas envolvendo o setor da construção civil e o governo. Entremeadas a tudo isso, estão imagens de diversos filmes, incluindo a ‘papangu’ de Lorena Arouche e Camila Lapa, filmadas no Cariri, durante a produção do filme IRMA.

Produzido por Bruno Mendonça para o extinto selo CONTRA – de publicações independentes, o texto Twilight Zone, publicado originalmente como um zine em 2015, fala do universo da boate como um espaço político mas também de formação em arte. Um desdobramento do zine, a peça sonora para Susan Sontag, do mesmo ano, é uma versão do interlúdio da canção It’s Not Enough, de Marina Lima, remixada sobre a base Unknown Desires, de Jared Wilson.

Ponto, um videogame sem vencedor é uma performance audiovisual com sons e imagens sincronizados, manipulados em tempo real, em um “console” construído e programado por Henrique Roscoe. Criada em 2011, sua proposta é subverter a lógica dos games antigos, usando sua estética, sons e elementos gráficos característicos, tratando de temas ligados aos videogames e aspectos do cotidiano de forma crítica. Durante a performance, é proposta a participação do público, que pode “jogar” com o artista.

Parte de uma instalação de mesmo nome que em 2017 integrou a exposição coletiva Ninguém me dirá quem sou nem saberá quem fui, realizada na Galeria MamaCadela, em Belo Horizonte, o vídeo Rosto de Álcool, de Desali, faz uso de técnicas do Teatro Negro e do Teatro de Papel para construir uma narrativa em que o personagem, ele mesmo, encontra-se diante de questões como o racismo e o rompimento de barragens ligadas à atividade de mineração.

Brasil e Angola poderiam ser vizinhos não fosse a imensidão do Atlântico que os separa. Seus moradores falam a mesma língua e compartilham o mesmo passado colonial. Em Cartas para Angola, documentário do Laboratório Cisco lançado em 2011, catorze pessoas que traçaram suas histórias de vida entre Brasil, Angola e Portugal correspondem-se por vídeo. As conversas, que tratam de temas como identidade, fluxos de imigração, pertencimento, saudade e exílio, são costuradas pela linha do afeto.

Criada em 1995 e editada por Eduardo Coimbra e Ricardo Basbaum, a revista item nasceu com o objetivo de intervir no vazio resultado da ausência de publicações sobre arte contemporânea no Brasil, renovando os debates que circundavam a arte a partir de um pensamento interdisciplinar. A item-5, publicada em 2002, reúne textos e imagens em torno do tema Afro-Américas, investigando, de forma ampla, a interface entre a arte e o pensamento contemporâneo e a cultura africana. Tem entre seus colaboradores Edson Barrus, Ivana Bentes e Maria Moreira.

No vídeo Los Inmortales, de 2015, Marina Mayumi revela uma cidade fantasma, lavada pelas forças da natureza. A terra, escondida pelas construções que se amontoam no elevado, recebe seguidas descargas elétricas que resultam em flashes e estrondos, e anunciam uma outra cidade que paira entre as nuvens. Enquanto a paisagem molhada conduz-nos a um plano metafísico, conectando-nos ao prazer de pensamentos intranqüilos, as ondas sonoras que retumbam nos corpos e penetram pelos ouvidos nos restitui ao mundo físico. Não há silêncio na natureza.

Sujeito Triste é um projeto que partiu de anotações e citações, costumeiramente coletadas por Sofia Bauchwitz, sobre os temas da tristeza, da melancolia e da loucura feminina. Parte do projeto Sujeito Triste, integrando o evento Habitar la Intimidad (Madrid, 2016), Sofia apresentou uma primeira leitura do ensaio Her house on the water, um exercício de apropriação e polifonia. No ano seguinte, a artista participou da exposição Apuntes para una psiquiatría destructiva com uma instalação que incluía o vídeo de mesmo nome, trabalhado sobre metáforas aquáticas.

Em Sobre feitiçaria e combate, texto de 2015, Ali do Espírito Santo fala da urgência no combate ao capitalismo, impulsionado pelo pensamento racional, a ciência e suas fórmulas prontas. Convoca o leitor ao estado de transe: em estado alterado de consciência e percepção, devemos recompor-nos de forças mágicas e abraçar o inexato, o inexplicável, o imperfeito. Esta linha de pesquisa, em andamento, tem como intenção criar, através do texto, uma espécie de futurologia crítica, onde a magia é um método de produção de imagens de futuro.

Em algumas culturas mais do que em outras, a supremacia do pensamento racional impede que a noção de magia desvincule-se das noções de truque ou culto primitivo. O pensamento mágico perdeu seu significado e significância na cultura ocidental. O retorno do mágico e sua materialização na curadoria contemporânea, ensaio de Claudia Rodriguez Ponga produzido em 2015, apresenta um panorama internacional de exposições que trazem assuntos relacionados à magia, ao fantástico e ao oculto.

Resultado de uma parceria entre os extintos Atelier Subterrânea (Porto Alegre) e Casa Paralela (Pelotas), o projeto BR116: Circuitos Independentes em Trânsito, realizado em 2013, apresentou duas exposições paralelas: Três Estações, realizada no Atelier Subterrânea e curada pela Casa Paralela; e Transferências Temporárias, realizada na Casa Paralela e curada pelo Atelier Subterrânea. O catálogo do projeto, publicado por Lilian Maus, artista e ex-gestora do Atelier Subterrânea, foi financiado pelo Fundo de Apoio à Cultura, da Secretaria de Estado da Cultura.