Ilusão de desastre: Valerie Hegarty arruína cópias

Valerie Hegarty. George Washington Melted 2, 2011

Valerie Hegarty cria desastres. Seu processo envolve copiar reconhecidas pinturas para depois atacar, forjando ruínas; como se a tela, carcomida, esfarrapada, tivesse sido abandonada, ao longo de anos, em um ambiente externo, submetendo-se aos desgastes da natureza. Um procedimento pautado no simulacro; suas pinturas não são as originais e suas ruínas são ilusórias. A cópia da pintura é atingida pela imitação da ruína. Na combinação desses dois artifícios, a alegoria se faz visível. Seu trabalho remete à conceitos complexos presentes na história da arte: a natureza, a história, a pintura, a cópia, e seus motivos mais tradicionais: o retrato, a paisagem e a natureza-morta. Os temas trabalhados por Hegarty abordam preocupações de uma tradição da pintura europeia, mas as pinturas que escolhe são de artistas americanos. São quadros expostos em destroços, nas paredes de museus, espaços e galerias, lugares destinados à preservação e contemplação de obras de arte; uma contradição que causa estranhamento.

Absorvendo a noção de tradição na história da arte, Hegarty apropria-se, através da cópia, de imagens icônicas, pinturas consideradas “obras-primas” da arte americana[1]. Ao recorrer à essas emblemáticas pinturas, a artista faz referência à potência mítica da imagem, mas com uma percepção contemporânea. Hegarty, assim, trabalha com a representação, sugerindo, na relação com a temporalidade, a morte de certas tradições pictóricas; uma degradação simbólica que aparece fisicamente na corrosão da matéria. Para Walter Benjamin, “a relação entre o símbolo e a alegoria pode ser compreendida, de forma persuasiva e esquemática, à luz da decisiva categoria do tempo”[2]. O fluxo do tempo, que Hegarty evoca precisamente na relação entre arte e natureza, apresenta-se sob a forma de ruína que, como se sabe, teve sua apreciação como motivo pictórico no Barroco e logo também no Romantismo. Joseph Görres, nessa época, comenta que “símbolo e alegoria estão entre si como o grande, forte e silencioso mundo natural das montanhas e das plantas está para a história humana, viva e em contínuo desenvolvimento”[3]. Ao que Benjamin completa: “a palavra história está gravada, com os caracteres da transitoriedade, no rosto da natureza”[4]. A expressão alegórica, assim, nasce de uma combinação de natureza e história. Para Benjamin, a alegoria não é apenas uma técnica de ilustração por imagens, mas expressão, como linguagem[5]. Ao trazer essa reflexão para a arte contemporânea, Hegarty constrói uma alegoria de uma tradição que perdeu sua força, e faz isso através da representação, atravessada pelo artifício. “As alegorias são no reino dos pensamentos o que são as ruínas no reino das coisas”[6], escreve Benjamin.

Wim Wenders quando reflete sobre a obra de Anselm Kiefer, percebe a importância de “entender mitos não como história, mas na sua força de agora, hoje”[7]. No trabalho de Hegarty, arruínar tais pinturas, embora sejam cópias, não deixa de ser simbólico; seu gesto lida com a degradação de um mito. Alguns de seus quadros são cópias de artistas da Escola do rio Hudson, movimento de pintores paisagistas que ocorreu entre 1825 e 1880, retratando as montanhas circundantes da região. É o caso de Niagara Falls, de 2007, Fallen Bierstadt, de 2007 e Among the Sierras with Woodpecker, de 2005, em que se apropria das pinturas de Albrecht Bierstadt. A queda presente nos títulos parece aludir tanto ao aspecto material, a própria queda do quadro; quanto ao aspecto conceitual, a queda simbólica da tradição pictórica. “A queda é o que há de mais vivo na sensação, aquilo em que a sensação se experimenta como viva”[8], escreve Deleuze. A percepção de queda enquanto movimento, sugere uma continuidade, a visão daquilo que está desabando, suspenso pelo instante que antecede o fim.

Valerie Hegarty. Niagara Falls, 2007.

A imagem da ruína insinua um tempo lento, regido pela natureza. Lucas Ospina em seu texto La pintura como ruina percebe, através dos escritos de Denis Diderot realizados para o Salão de 1767, que as regras da representação de ruínas, nessa época, deveriam obedecer três aspectos: o simbólico, a representação da vida humana e seu inefável destino; o prazer estético da ruína, instante sublime de suspensão; e a ruína como componente estrutural para a criação, onde o arruínado dá vida à pintura e a pintura dá vida à ruína[9]. No auge do Romantismo, a arte de representar ruínas tornou-se um gênero em pintura. Pouco antes, as obras de Giovanni Battista Piranesi (1720-1778) já representavam um mundo imaginário construído a partir das ruínas existentes em Roma. Nessa época os questionamento históricos se estendiam aos meios de representação pictórica. Hoje em dia, escreve Ospina, “usar a arte da pintura para representar ruínas é evocar duplamente ao mito: uma dupla negação? Uma possível afirmação?”[10] Valerie Hegarty trabalha com a ruína ante à própria ideia de pintura, e declara: “eu não estou interessada na fetichização da decadência. Decadência, em meu trabalho, é um modo de falar de uma crise de ideias que não funciona mais”[11]. Em entrevista a Miriam Katz, a artista comenta:

“Tenho trabalhado muito com paisagens sublimes. Recentemente recriei uma obra de Albert Bierstadt, sobre a Serra Nevada, Califórnia (1868), uma cena de montanha sublime e fiz como se tivesse sido atacada por pica-paus. Neste trabalho, era como se a natureza reorganizasse ou puxasse a pintura para uma reflexão mais precisa de uma situação recorrente no mundo, enquanto a pintura original foi uma versão mais idealizada”[12].

Um olhar que parte da realidade atual, evoca questões que aparecem dentro de um pensamento de categorias estéticas, traz a atualidade do sublime a partir da noção de desastre. Não a destruição, mas sim o desastre. Uma obra-prima que se finda pela ação na natureza. Diferente do gesto atrevido de Ai Weiwei que, em segundos, derruba o vaso pertencente à Dinastia Han, Hegarty sugere a ocorrência de um desgaste lento e incontrolável, tomado por uma ação externa. “O desastre natural é sublime por natureza”[13], observa. Mas ao provocar um desgaste em suas telas, Hegarty lida com o simulacro. “São reproduções criadas para parecerem que estão destruídas. Como a decadência é muito cuidadosamente trabalhada e esculpida, o trabalhado é realmente construído em vez de desconstruído, embora a ilusão seja o oposto”[14]. Seu trabalho é minucioso tanto na elaboração da pintura quanto na sua degradação; uma construção feita para simular a deterioração de uma obra-prima em estado de abandono.

Valerie Hegarty. Autumn on the Hudson Valley with Branches, 2009.

Em Autumn on the Hudson Valley with Branches, de 2009, realizado a partirda tela Outono no Rio Hudson, de Jasper Francis Cropsey, de 1860, Hegarty, diferente de outros trabalhos, instalou seu quadro ao ar livre, em uma grade de um parque em Manhattan. Embora a tela já tivesse sido trabalhada como se houvesse sido degradada, a tela ao ser exposta ao ar livre foi submetida realmente à ação da natureza, acontecendo, assim, uma fusão entre simulacro e realidade, como se sua pintura estivesse voltando ao estado natural, em um retorno do tempo. O impacto de ver uma tela desgastada dentro de um museu, no entanto, acaba sendo maior que no meio do parque, pois o espaço do museu responde pela integridade da obra. Por outro lado, a fusão entre pintura e paisagem, nesse caso, é acentuada dissolvendo a fronteira entre a pintura de paisagem e a paisagem como pintura. A estética do abandono sugere uma temporalidade simbólica, um tempo estratificado que atua no presente. Seu interesse pelo sublime a levou também às pinturas de Mark Rothko. Em Rothko Reflectione e Rothko Sunset, de 2009, Hegarty copia e depois incendeia as telas produzindo uma intensidade emocional própria do expressionismo abstrato. Baldine Saint Girons, em seu livro O sublime, entende que Rothko reivindica uma “arte do sublime” devido às grandes dimensões de seus quadros que fazem com que o espectador seja tomado pela pintura[15]. O sublime, retratado tanto nas paisagens dos artistas da Escola do rio Hudson, como nas telas de Rothko, em um entendimento mais contemporâneo do conceito, aparece como resgate na obra de Hegarty. Miriam Katz observa que o expressionismo abstrato supostamente deveria deixar o espectador em chamas devido à seu poder emotivo; e nas telas da artista, eles estão literalmente em chamas. Existe essa noção em Rothko, e olhar para esses trabalhos coloca o espectador, em ultima instância, diante de uma experiência do sublime[16].

Valerie Hegarty. Rothko Sunset, 2009.

Ao abordar gêneros e conceitos que vêm de uma tradição europeia de arte e que os americanos absorveram ao longo de sua história, Hegarty provoca uma série de reflexões, alcançada através da interferência incisiva em imagens conhecidas. Mas para manipular tais obras-primas, a artista somente poderia utilizar cópias. Sem a ação perturbadora e atrevida dos irmãos Chapman ou de Ai Weiwei quando optam por destruir originais, ela traz outra abordagem, acentuando a importância da manufatura da cópia para atingir seu propósito. O gesto de copiar manualmente as pinturas dos grandes mestres, produz uma reflexão sobre uma problemática que sempre ocupou a história da arte: a noção de cópia.

Sabe-se que muito se insistiu na cópia como forma de estudo, principalmente no ensino da pintura praticado nas Academias de Belas Artes europeias, desde o século XVII até meados do século XX. Copiar permitia estudar a fundo as pinceladas de grandes artistas, estabelecendo uma conexão anacrônica capaz de alcançar a compreensão de um determinado pensamento pictórico. Mas a criação tinha um valor maior. Dominique Ingres, por exemplo, quando pintou seu quadro O voto de Louis XIII, em 1824, procurou imitar o estilo de Rafael negando qualquer ideia de cópia, essa postura é visível em seu comentário:

“Isso não é um pastiche, não é uma cópia… Eu deixei a minha marca… Eu certamente admiro os mestres, me curvo diante deles… acima de tudo diante do maior (Rafael)… mas eu não os copio… Tenho bebido de seu leite, me nutrido, tentei me apropriar de suas qualidades sublimes… mas não é um pastiche”[17].

Paul Duro observa que para Ingres, e aqueles que pensavam como ele, “o objeto imitado não era a pintura material; o que ele imita é a ideia – aquela fase da criação de imagens que está por trás da pintura de Rafael, que está por trás de cada criação original”[18]. Ingres, assim, nega a ideia de cópia afirmando apropriar-se somente das qualidades do artista. As cópias que Ingres fez das telas de Rafael formaram parte do acervo do Museu de Cópias (Musée des Copies), inaugurado em Paris, em 1874, mesmo ano da primeira exposição impressionista. O Museu, sob a direção de Charles Blanc, abrigava cópias feitas à óleo das principais obras-primas conservadas em museus estrangeiros. O conceito foi inicialmente elaborado por Adolphe Thiers, político e historiador que, em 1834, havia criado o Museu dos Estudos (Musée des Estudes), na Escola de Belas Artes, com o objetivo de instruir os estudantes no trabalho dos mestres clássicos. Ingres, na ocasião, além de suas cópias, recomendou a Thiers que encomendasse aos irmãos Paul e Robert Balze, a cópia do afresco de Rafael que encontra-se no Vaticano; essas obras, mais tarde, constituíram a base do museu[19]. Com o Museu de Cópias afirmou-se a importância das cópias que, para Blanc, eram necessárias na formação do gosto. “Não é este o lugar adequado para analisar o fascinante assunto do papel da cópia na prática pictórica do século XIX e suas implicações no conceito do original, o espontâneo e o novo?”[20], nos pergunta Rosalind Krauss. De acordo com a autora, “a cópia serviu como ponto de partida para o desenvolvimento de um signo cada vez mais organizado e codificado de espontaneidade”[21]. A relação da cópia com os grandes mestres, ao mesmo tempo em que era considerada de extrema importância, deveria ultrapassar sua condição de imitação; um aprendizado que deveria saber filtrar, internalizar a essência da pintura para depois esquecer, assim a manifestação natural que daria lugar ao espontâneo somente poderia nascer depois de um intenso estudo de reconhecidas obras-primas. Os primeiros românticos, segundo Pedro Duarte, “queriam superar os antigos ao imitá-los. Isso seria possível porque eles não buscavam repetir o que a antiguidade foi, e sim o que ela não foi”[22]. É nesta época que se acentua a exaltação da originalidade e um certo desprezo pela cópia, realçando a oposição: imitação versus criação.

“Não se trata de dizer que a cópia é superior ao original, e sim que o que ela quer copiar do original é o que ele não foi, o que ele deixou em aberto como possibilidade a ser conquistada. Eis a originalidade de descoberta da antiguidade feita pelos primeiros românticos. Contrariando o conceito tradicional de imitação, alojava-se, em seu coração, não na cópia, mas a criação do novo, já que ela copia o que não foi”[23].

Na modernidade a noção de originalidade se acentuou, estabelecendo como condição a produção do novo que, no entanto, somente poderia ser manifestado através de um estudo pautado nas cópias. Ao observar em Monet, por exemplo, que o traço esboçado que funcionava como um signo de espontaneidade era resultado de cálculos extremamente precisos, Krauss deduz que a espontaneidade era a mais falsificável dos significados[24]. O resultado é a ilusão da espontaneidade, do ato instantâneo e originário. Apesar do enaltecimento da relação com a cópia, há uma negação que acaba se sobressaindo no discurso. Segundo Krauss, “o discurso da originalidade da qual participa o impressionismo reprime e desacredita o discurso complementário da cópia. Tanto a vanguarda como a arte moderna dependem dessa repressão”[25]. O surgimento da fotografia, nessa mesma época, colaborou para sustentar esse discurso. Uma cópia poderia ser facilmente obtida e com muito mais precisão utilizando as possibilidades tecnológicas. A importância da cópia, mesmo como estudo, começa então a ser questionada e a arte passa a ter um novo entendimento de imagem. Em uma cena do filme Além das nuvens, de Wim Wenders e Antonioni, realizado em 1995, um diálogo que confere a relevância do gesto de copiar estabelece um entendimento movido pela experiência da aproximação:

-“Por que nossa sociedade precisa de todas essas cópias de coisas? Não falo só de pintura, mas de cópias de tudo. Mesmo de coisas como roupas, malas, bolsas, relógios.

-Os originais são muito caros.

-É verdade. Mas, no seu caso, uma reprodução de Cézanne ou uma foto bastariam.

-Creio que quem copia a uma obra de um grande artista tem a chance de repetir o ato desse artista. E talvez encontrar, mesmo que por acaso, o gesto exato.

-Uma cópia desse gesto!

-Por que não? Reproduzir o gesto de um gênio irá me dar mais satisfação do que qualquer uma de minhas pinceladas. Entendo que isso a faz rir. Seja como for, não lhe venderei, fique tranquila…”[26]

Repetir o gesto de um artista, no caso, coloca o aprendiz em uma postura de reverência considerando a proximidade através da pincelada, mais intensa que o olhar. A postura despretensiosa do personagem traz em seu ofício uma significação alcançada pela simplicidade de produzir apenas uma cópia, quando essa pode ter uma dimensão grandiosa. Mas a possibilidade de reprodução fotográfica dinamizou um tempo que até então era empregado na construção de retratos e paisagens. A personagem do filme deixa transparecer em seu discurso que a cópia pode ser uma perda de tempo (“uma reprodução de Cézanne ou uma foto bastariam”), pois em um instante uma fotografia é capaz de captar a paisagem de maneira muito mais verossímil. No entanto, sabemos que o ato de copiar provoca uma relação de intimidade com a obra, e é o que o outro personagem coloca. Podemos ver muitos quadros, ler muitos livros, mas não esqueceremos daqueles que copiamos; lembraremos de cada detalhe, elaborado no dispêndio de um tempo, movido pelo desejo de aproximação. “Copiar uma figura significa apropriar-se dela através de sua reprodução e com isso interiorizar o conhecimento contido na imagem”[27], sustenta Isabelle Graw. O lento ofício da cópia manual acaba por ser agente na formação de um vínculo que se estabelece entre o indivíduo e a obra de arte. Uma relação de intimidade que acontece por meio de uma compreensão que se dá quando um se coloca no lugar do outro. “Há uma imensa diferença entre ver uma coisa sem o lápis na mão e vê-la desenhando”[28], nas palavras de Edgard Degas.

“Ou melhor, são duas coisas muitos diferentes que vemos. Até mesmo o objeto mais familiar a nossos olhos torna-se completamente diferente se procurarmos desenhá-lo: percebemos que o ignorávamos, que nunca o tínhamos visto realmente. O olho até então servira apenas de intermediário. Ele nos fazia falar, pensar; guiava nossos passos, nossos movimentos comuns; despertava algumas vezes nossos sentimentos. Até nos arrebatava, mas sempre por efeitos, consequências ou ressonâncias de sua visão, substituindo-a, e portanto abolindo-a no próprio fato de desfrutar dela”[29].

Para Valerie Hegarty a importância da cópia em seu trabalho se dá nesta relação de intimidade. Copiar atentamente cada obra aproximando-se ao gesto do pintor escolhido torna potente a ação que posteriormente arruína a obra. Diferente, por exemplo, das paisagens fotográficas de Eliot Porter apropriadas por Sherrie Levine. A ideia de Levine, como sabemos, era desconstruir a noção moderna de origem, evidenciando a facilidade de cópia através da fotografia. A velocidade de um click se fazia suficiente para que a artista roubasse a foto de outro, transmutando em sua autoria. Nas paisagens coloridas de Eliot Porter ou nos retratos expressivos de Walker Evans, Levine trabalhou com gêneros significativos para a história da arte, mas através da cópia técnica, e não da manufatura. Para Rosalind Krauss, o esforço de Levine não pode contemplar-se como uma extensão da modernidade. É, assim como o discurso da cópia, pós-moderna. A mudança de discurso estabeleceu um marco e um complexo de práticas culturais, entre elas uma crítica desmistificadora e uma arte pós-moderna, que entraram em ação para invalidar as proposições básicas da modernidade[30]. Situada em uma nova perspectiva, no entanto, Hegarty resgata a tradição do ofício da cópia, realizada com as próprias mãos para trazer um olhar contemporâneo sobre a questão da apropriação de imagens. Ela volta atrás, retoma esse procedimento, para dialogar com o tempo atual. E esse diálogo se constrói através da ação corrosiva em cima de suas pinturas. Hegarty considera essencial seu envolvimento com o processo da cópia e assim coloca:

“Fazer o trabalho eu mesma mostra que sou sincera. Se meu trabalho fosse apenas tirar um barato da história da pintura, eu poderia pegar umas pinturas e pisar em cima. Mas não se trata disso. Estou quebrando essas pinturas após passar meses trabalhando em cima e me apegando à elas.”[31]

A relação afetiva com a obra tem, para a artista, um sentido conceitual que confere importância ao desapego, sendo necessário para arruínar sua pintura. Mas porque a insistência de Hegarty em realizar suas cópias com as próprias mãos? Uma cópia encomendada ou feita por assistentes, como fazem muitos artistas, não alcançariam o mesmo efeito? “Eu trabalho tão intensamente com as minhas mãos que acabo sabendo cada curva e dobra das peças que faço – como se estivesse absorvendo em um nível celular[32]”, diz. A sensação de pertencimento produzida pela cópia manual da pintura trabalha com um movimento de proximidade; e sua manipulação posterior implica em um movimento de distanciamento. Após realizada a pintura, Hegarty se afasta e trata sua pintura como matéria-prima, tendo a percepção da imagem como superfície. Para Barthes, a superfície é tão reveladora quanto o fundo[33]. Entender a extensão de sua cópia como superfície, no caso de Hegarty, implica em distanciar-se de um intenso trabalho.

Liu Ding’s Store
Take Home and Create Whaever is the Priceless Image in your Heart, 2008

Realizar a cópia manual das pinturas é certamente uma opção significativa, uma vez que no século XXI as possibilidades de reprodução são inúmeras, incluindo a terceirização do ofício. No projeto do artista chinês Liu Ding, por exemplo, ele contratou artistas de Dafen para realizar 100 telas incompletas, com diferentes fragmentos de paisagem. As telas formavam parte do trabalho Liu Ding’s Store – Take Home and Create Whaever is the Priceless Image in your Heart, de 2008. Dafen é uma cidade em Shenzhen, na província de Guangdong, sul da China, nomeada oficialmente pelo governo chinês como Dafen Oil Painting Village, indústria de cópias em pintura a óleo que, desde os anos de 1990 teve um grande desenvolvimento, atendendo à demandas nacionais e internacionais. Hoje são aproximadamente 10.000 pintores e 800 galerias operando em Dafen. No inicio os artistas se ocupavam com cópias de grandes mestre europeus e americanos, mas posteriormente, com o crescente interesse internacional na arte contemporânea chinesa, obras canônicas e pinturas contemporâneas chinesas e euro-americanas foram incorporadas no repertório. Pinturas clássicas, modernas, abstratas, retratos, paisagens, naturezas-mortas, qualquer motivo pode ser encomendado. A pintura a óleo, no entanto, demora para secar, o que faz com que a produção seja quase ininterrupta. A velocidade com que essas pinturas são realizadas – uma produção estimada de 30 telas por dia em uma jornada de 16 horas – faz de Dafen uma indústria que transparece na convergência entre arte, mercadoria e reprodução.

Manufatura de cópias em Dafen

O fenômeno de Dafen implica diretamente nas questões da noção de “original” na arte. Para Vivian Li, a cópia é um reflexo do mito moderno do único e original, “um mito que supostamente resguarda a integridade da arte diante das preocupações do grande mercado em relação à reprodução e produção em massa.”[34] As noções ocidentais de original e cópia em pintura passaram a ocupar o aprendizado em arte na China, assim como no Brasil e outros países fora do eixo europeu, no início do século XX, quando alguns artistas e professores de arte que estudaram na Europa adotaram o currículo da Academia Francesa de Belas Artes, baseada na cópia de renomados artistas. A compreensão da cópia com pura intenção de venda é transparente na produção de Dafen que, de acordo com Vivian Li:

“Em vez de ser simplesmente a meca da cultura da cópia e do declínio da cultura da arte, as reproduções de arte pintadas à mão, hábeis e personalizáveis, sustentam a fé contínua no original enquanto, ao mesmo tempo, negociam a licença criativa com seus clientes”[35].

A condição da técnica a óleo é prova disso, as cópias produzidas em Dafen são pintadas como os originais. No entanto, são flexíveis quanto ao tipo de serviço, diferindo da cópia mecânica. Os artistas não tem acesso às pinturas originais se limitando a utilizar uma imagem, fotográfica ou digital, como modelo, podendo variar de escala, cor e tons, dependendo do interesse do cliente. Algumas cópias também podem apresentar variações customizadas e intervenções criativas. Vivian Li percebe que a transposição de uma obra original para uma tela de Dafen confunde a obra de arte com sua imagem e funciona como indicativo do divórcio contemporâneo entre a obra original e sua imagem. Segundo a autora, “essa dicotomia entre o objeto de arte físico e sua existência imagética que os artistas de Dafen têm que negociar regularmente sugere a necessidade de reavaliar o significado aparentemente fixo e óbvio do que é entendido como ‘o original’”[36]. Desta forma, os artistas não assinam suas cópias e encaram o trabalho como serviço. Para eles, a autoria de uma obra de arte não depende do trabalho manual, mas do trabalho mental. Como a célebre frase de Leonardo Da Vinci: “la pittura è cosa mentale”. Assim, assinam apenas suas criações que também são vendidas nas galerias, e negociam um valor mais alto quando alguma inserção criativa é requisitada dentro da cópia. Li acredita que Dafen, “em última instância, trata da fusão da arte com a imagem, uma fusão que facilita a transformação da arte em um produto consumível”[37].

Liu Ding tem essa consciência, e por isso as telas incompletas feitas pelos artistas de Dafen são expostas à venda. A proposta de sua loja: “leve para casa e crie qualquer que seja a imagem de valor inestimável que esteja em seu coração”, confia na colaboração do público que pode comprar cada tela por 100 libras e levar para casa para continuar a pintura. Cada comprador sabe que a tela não é única, existem dez telas semelhantes com o mesmo motivo de paisagem, mas se ele ou ela se atrevem a completar a pintura, aí então essa obra se tornará única. Liu, segundo Li, “explora a operação mercadológica de Dafen que permite com que as pessoas tenham acesso não apenas a inestimável imagem de seus corações, mas também o ato de criar”[38]. O discurso moderno que problematiza a noção de arte e mercadoria em função da originalidade, incide no projeto de Liu Ding em uma ação que deixa transparecer a faceta da arte como mercadoria, ao mesmo tempo em que cria uma reflexão conceitual própria da arte contemporânea. Ao assinar as telas que comprou em Dafen, Liu apropria-se das cópias e vende como se fossem de sua autoria. No projeto de Liu, o comprador, “torna-se cúmplice com Dafen desprezando os pressupostos da arte moderna de singularidade da originalidade, e um único criador, motivos dos quais a indústria de ‘cópia’ de Dafen também ganha seu sustento”[39]. Quando o comprador chega em casa, pode escolher se fica com uma obra de Liu que no fundo é uma cópia inacabada feita por outro artista ou se completa participando do ato criador, em um processo interativo que envolve a fusão entre amador e profissional. A tela em si vale somente enquanto operação dentro de um jogo de conceitos. Liu Ding sabe disso e apela para que outra imagem se encontre no coração de seu comprador, ou seja, incumbe o discurso da originalidade ao seu público.

No projeto de Liu, a procedência das telas é fundamental. Não se trata de encomendar qualquer cópia de paisagem, mas cópias provenientes de Dafen, o que cria um diálogo com a produção e atuação do mercado de arte chinês. A procedência da cópia para Valerie Hegarty é também um ponto importante. A própria mão que insiste em copiar é a mesma que destrói, o que potencializa o seu gesto. Estamos falando, portanto, da origem da cópia. Se para a avaliação da obra no mercado de arte a origem confere a autenticidade aumentando o seu valor, tanto simbólico como monetário; saber a origem da cópia, no caso de Hergaty ou Liu Ding, interfere conceitualmente na obra, mas o valor não é estabelecido por esse fato. Assim, a condição conceitual de tais obras depende da procedência das cópias. O valor somente muda na medida em que essas obras deixam de ser cópias para serem originais. Essa transformação acontece no momento em que a cópia é alterada de alguma maneira pelo artista. No caso de Hegarty quando ela arruína a sua cópia, esta cópia passa a ser um original.

Uma transmutação que também acontece, embora de outra maneira, na série Gazing Ball, de Jeff Koons, em que utiliza réplicas de reconhecidas imagens da história da arte feitas em esculturas, em 2013 e em pinturas, em 2015. Em cada réplica, ele insere uma grande bola de vidro azul – “gazing ball”- usada popularmente para ornamentar jardins. Tanto as esculturas como as pinturas foram feitas à mão por seus assistentes; mais de cem pessoas trabalham atualmente em seu estúdio. E as bolas, encomendadas na Pensilvânia, cidade onde nasceu, foram sopradas à mão, por isso Koons insiste em dizer: “cada uma é única”[40]. As esculturas em gesso branco foram moldadas a partir das ícones da era greco-romana, incluindo Farnese Hercules e Esquiline Venus, além de elementos cotidianos populares como caixas de correio e uma escultura de Lady Gaga. As pinturas são todas telas reconhecidas de grandes mestre europeus como Van Gogh, Manet, Klimt, e vários outros. Seu processo é essencialmente industrial, apesar disso, em Gazing Ball, ele destaca o mérito de serem feitas à mão, embora não seja a sua.

“As imagens são todas pintadas à mão, todas as marcas aqui são aplicadas por um pincel. São como replicas visualmente idênticas aos originais, mas diferem em tamanho, são planas, não tem a dimensão da pintura. – em outras palavras, uma superfície elevada – porque são justamente a ideia da pintura. Isso é justamente a ideia da Mona Lisa, a ideia do Leonardo da Vinci, a ideia de LHOOQ, de Duchamp, a ideia de Andy.”[41]

Jeff Koons. Gazing Ball, 2015

A ideia de pintura somente poderia ser evocada através da própria pintura e não através de uma reprodução técnica. Ao ressaltar o mérito artesanal das pinturas, Koons justifica que cada peça é única. Sustentando a unicidade e autenticidade, o artista que é conhecido, junto com Damien Hirst, como um dos artistas contemporâneos mais caros do mercado, sabe que agrega maior valor ao trabalho. “Depois da arte-para-os-deuses, da arte-para-os-príncipes e da arte-pela-arte, triunfa agora a arte-para-o-mercado”[42], observam Lipovetsky e Serroy. Segundo Don Thompson, Koons desenvolveu um grande talento para a autopromoção e manteve o conceito de arte como mercadoria a ser promovida[43].

No caminho aberto por Andy Warhol, Koons celebra a experiência radical da cultura de massa americana. Hal Foster reconhece que sua postura se identifica com a de Warhol na medida em que se autopromove como celebridade e cria uma indústria da arte[44]. Koons entende que, assim como o readymade, tudo o que ele faz já existe, basta apenas olhar e selecionar[45]. É claro que a execução desses objetos em grande escala requer uma elaborada produção a nível industrial, o que não condiz com a estratégia de puro deslocamento do readymade, mas os objetos escolhidos são os que já estão prontos e se encontram por toda parte. Sem medo do kitsch, Koons argumenta que a arte pode ser terrivelmente discriminadora, e que sua intenção é levar as pessoas a não se envergonhar de seus gostos, “o que eu queria era ajudar as pessoas a aceitarem suas próprias formações culturais”[46], diz. Desta forma, Calvin Tomkins considera que “se a arte chegou a se libertar do domínio da ironia pós-moderna foi em grande parte graças a Jeff Koons”[47]. O artista assim, não utiliza ironia em seu discurso, pelo contrário enxerga um sentido metafísico em suas obras, o que não deixa de ser curioso. Lipovetsky e Serroy entendem que “o kitsch, na era moderna, era estigmatizado como uma corrupção da arte e do gosto; com a hipermodernidade, ele se torna uma estética e um estado de espírito legítimos e amplamente difundidos”[48]. Hoje há um kitsch de divertimento centrado na imagem e no espetáculo, o gosto que Susan Sontag chamou de camp, expressão que significa algo como “ultrajante, inconveniente ou de tão mau gosto que chega a ser divertido”[49]. Para os autores, “quanto mais teatral, exagerado, inadequado, mais deleitável e motivo de riso (‘tão ruim que é bom’): um kitsch intencional, uma atitude estética cujo ideal não é o belo, mas o artifício”[50]. Koons, desta forma, aceita o kitsch como manifestação sincera e estimulante, que aproxima arte ao público; não mais com ironia, mas com humor, no sentido de divertimento, “fun”, próprio de sua cultura.

O trabalho de Koons é predominantemente voltado à cultura americana. Mas ao que parece, pela primeira vez, em Gazing Ball, utilizou referências da arte europeia. A inserção do elemento da esfera, no entanto, tem relação com os jardins americanos. Apesar de ter surgido na Europa, na Veneza do século XIII[51], as esferas inicialmente tinham um sentido místico de proteção, que depois foi se modificando, e passou no século XX a ornamentar os jardins da Europa e dos Estados Unidos, como um símbolo de riqueza e sucesso, porém muitas vezes beirando ao kitsch. É seu efeito reflexivo que mais interessa à Koons. Sua inserção nas pinturas não cria tanto um diálogo com os temas, mas constitui um elemento a parte, independente, depositado em cima de uma prateleira que sai da própria tela. A esfera pode ser inserida em qualquer pintura desde que esta seja reconhecida como uma grande obra da história da arte. Este é o critério de Koons. Uma sobreposição de um elemento tridimensional na pintura, que não interfere diretamente nela, colocado de forma cuidadosa. Não há uma preocupação compositiva das esferas com as pinturas; são todas centralizadas e apoiadas em uma prateleira de alumínio, na altura ideal para se tirar uma boa selfie. O espectador ao ver a pintura acaba se vendo. Koons defende em seu discurso, que essa serie não é sobre a cópia e sim sobre o conceito de participação, uma vez que o espectador é refletido nas bolas tornando-se, assim, parte da obra[52].

Jeff Koons. Gazing Ball, 2015

De certa maneira, a euforia da interação ultrapassa a contemplação da pintura. Koons mescla o peso histórico das grandes obras com a sensação de divertimento, presente em todos os seus trabalhos. Tanto o quadro como a pessoa são refletidos na bola. Norman Rosenthal acredita que Koons vai além de Duchamp, quando defende que o espectador completa a obra de arte; ele também compara Koons e seu modo de dirigir o estúdio, aos mestres da Renascença. “Alguns podem ser tentados a chamar essas versões de cópias, mas isso é denegrir sua execução individual desconcertante e estupefata, onde cada nuance de cor, sem falar no craquelê e outros sinais de envelhecimento, que foram forjados à mão”[53], escreve. Percebemos no discurso de Rosenthal o menosprezo pela cópia e o esforço em afirmar que não são cópias porque são muito bem feitas tecnicamente, ou seja, com a mesma competência das obras renascentistas, inclusive com efeitos de envelhecimento, o que poderia enganar como uma boa falsificação. Mas sim, são cópias, e isso não diminui o trabalho de Koons. E deixam de ser cópias não porque são pintadas à mão de maneira impecável, mas porque ao inserir um elemento -a esfera azul-, Koons interfere nessas telas e introduz sua marca, transformando, assim, as cópias em originais. A precisão técnica da pintura é condizente com tudo o que sai de seu estúdio, Koons não executa, mas supervisiona e controla a qualidade de suas obras com rigor.

O reflexo em Gazing Ball acaba trazendo uma densa reflexão sobre a tradição pictórica de representação do espelho. No século XVII, principalmente, introduziu-se o espelho no interior da pintura refletindo o próprio artista. Até então os quadros eram vistos como espelhos da realidade e, por esta razão, segundo Victor Stoichita “a metáfora chave da imagem pictórica europeia foi, desde o Renascimento, a metáfora especular”[54]; posteriormente o espelho passou a formar parte da pintura, refletindo a cena por detrás do quadro. Não mais o quadro como espelho, mas o quadro com espelho. O artista, muitas vezes, utilizou desse recurso para se inserir na pintura, com um autorretrato, servindo também, segundo Stoichita, como assinatura figurativa. “Desde 1600, a pintura europeia conta com a tradição na representação auto-reflexiva que havia alcançado o estagio do autorretrato como (sub)género pictórico”[55]. A presença do artista dentro de sua própria imagem, afirmava, assim, a ideia de autor. “O autorretrato assina uma obra na que o autor faz parte”[56], observa.

Jeff Koons. Gazing Ball, 2013.

No entanto, Jeff Koons, no século XXI, insere não um espelho, muito menos a representação desse espelho; mas um objeto que reflete a própria cena do espectador vendo a obra em tempo real, no momento presente. A escolha do objeto, condizente com o conjunto de seus trabalhos, faz com que elementos banais, presentes na cultura contemporânea, alcancem o status de arte. Gazing Ball possibilita o autorretrato do público através de um efeito mágico-estético que insere o visitante dentro da pintura. Koons provoca a noção clássica de autoria na medida em que, além de copiar, não executa suas pinturas e acaba colocando o público em um lugar que até então era destinado ao artista/autor. No entanto, no mesmo passo que contraria o entendimento de autoria, afirma-a quando assina e certifica sua obra. O reconhecimento do autor na arte contemporânea está estritamente ligado à assinatura do artista, como já apontava Duchamp, e à essa assinatura como marca, assim como fazia Warhol; mas quando Koons insere seu público na obra – e muitas de suas obras tem o efeito reflexivo- situa o público como parte da obra. E então já não interessa tanto olhar a obra, como olhar para si dentro da obra.

Suas cópias funcionam como representação da história da arte e, como ele mesmo diz, trabalham com a ideia de pintura (ou escultura, na versão de 2013). O que acaba enfatizando os mitos da história da arte, estabelecendo uma distância histórica. Mas a presença do elemento auto-reflexivo que convida à selfie, provocando a febre narcísica que se instaurou na era digital, instaura-se na pintura refletindo o comportamento da cultura contemporânea. A sociedade de consumo, escreve Jean Baudrillard, “é o próprio mito dela mesma”[57]. Koons em Gazing Ball, trabalha com o mito (história da arte) e a marca (Jeff Koons), que operam em uma lógica semelhante; e com a interação fotográfica digital que garante a difusão de sua obra nas redes sociais. A contemplação descompromissada e divertida de sua obra é condizente com seu discurso que preza pela aproximação do público. Koons, desta maneira, traz uma complexidade conceitual em sua obra, mas não em seu discurso; utiliza do comportamento massivo da fotografia digital, de um elemento popular decorativo e da compreensão de pintura como mito, e transpõe imagem e pintura, tridimensional e bidimensional, história e contemporaneidade, jogando com a interatividade e diversão.

Como um desdobramento da série Gazing Ball, Koons criou em colaboração com a marca Louis Vuitton, uma coleção de bolsas, que apresenta reproduções de cinco de “suas” pinturas: Mona Lisa, de Leonardo Da Vinci, Campo de Trigo com Ciprestes, de Van Gogh, A Caçada do Tigre, de Rubens, La Gimblette (Menina com cachorro), de Fragonard, e Marte, Vênus e Cupido, de Ticiano. As pinturas são reproduzidas em alta definição sobre as clássicas bolsas de couro da marca Louis Vuitton. Sobre as imagens, em caixa alta e dourado, está escrito o nome do artista, anunciando explicitamente a autoria; além dos monogramas da marca e da assinatura de Koons estilizada. Dentro de cada bolsa, ainda, encontra-se uma pequena descrição do artista, para dar uma breve noção na história da arte. Apesar das obras serem de domínio público, foi preciso conseguir fotografias em alta resolução; para isso eles contaram com o apoio também dos museus que mantêm as imagens em seus arquivos. Jean-Luc Martinez, diretor do Louvre, afirmou: “eu concordo totalmente com esse projeto”[58]. Michael Burke, chefe executivo da Louis Vuitton conta que “eles entenderam imediatamente que para a arte clássica competir com a contemporânea, você precisa levá-la para a rua”[59]. Levar pra rua, de fato, pode ser um bom argumento para a arte contemporânea, mas alcançar esse propósito sob a forma de mercadoria pode gerar algumas discussões.

Koons não foi o único artista a trabalhar com Louis Vuitton. Desde os anos 1990, a marca tem trabalhado em colaborações com o circuito artístico. Nomes como Yayoi Kusama, Takashi Murakami, Richard Prince e Stephen Sprouse, e vários outros, já assinaram produções elaboradas em conjunto. “No tempo dos cruzamentos hipermodernos”, percebem Lipovestky e Serroy, “os produtos de grande consumo se confundem com a moda, a moda imita a arte, a publicidade reivindica a criatividade artista e a arte se aproxima do produto moda e luxo”[60]. Mas na opinião de Jonathan Jonessobre a coleção de Koons, “essa não é uma simples linha de bolsas de luxo. É um artista refletindo sobre os mestres”[61]. Louis Vuitton é uma marca reconhecida e Jeff Koons, um artista renomado. A fusão das duas assinaturas acaba produzindo um produto raro, incomparável, onde o gosto é chancelado pela força da marca. Larry Gagosian acredita que “Jeff é um dos poucos artistas que pode se atrever a fazer isso sem comprometer o seu trabalho”[62]. De fato, tratando-se de Jeff Koons a coleção de bolsas é bastante coerente com sua obra. “Não é o tipo de coisa que Mark Rothko faria”, diz, “mas sem dúvida Andy Warhol abriu caminho para isso, e Jeff se inspirou nesse exemplo até certo ponto”[63]. Atualmente alguns artistas tornam-se artistas-empresários operando em uma lógica que atua em um cruzamento entre o mundo da arte e o mundo empresarial. Andy Warhol, como bem lembra Gagosian, foi quem abriu esse caminho. “Com Warhol, todas as fronteiras se confundem, as da arte e dos negócios, da cópia e do original, do museu e do supermercado, da high e da low arte, do artista e do astro, da obra e da publicidade”[64], consideram também Lipovestky e Serroy. A relação da arte com a moda se estabelece na capacidade de distinção social, na medida em que possibilita a experiência de pertencimento de um grupo que tem acesso ao conhecimento das novas tendências, tanto em arte quanto em moda. No tempo que Lipovestky e Serroy chamam de capitalismo artista, “as mídias se impõem como novas instâncias de consagração dos talentos, a notoriedade passa cada vez mais pelo caminho do espetacular, da comunicação, da midiatização: o mesmíssimo caminho da moda”[65]. Assim, as diferenças entre arte, negócio e luxo são cada vez mais tênues. Julian Stallabrass em seu artigo Arte de elite em uma era de populismo, acredita que a expansão das tecnologias interferiu na inserção do populismo na arte erudita.

“A ameaça à arte de elite vem da falta de fingimento da arte populista: ela não finge não ser uma commodity, ou não estar interessada em publicidade; ela não se recusa a portar as marcas de sua recepção; é relativamente aberta sobre seus métodos, e encoraja a participação; geralmente não está interessada na opinião de especialistas. É um produto, em suma, da cultura participativa, e não da transmitida”[66].

A cultura participativa, decorrente da ascensão das redes sociais e do sistema conhecido como Web 2.0, denota um comportamento social que parte da expressão individual. Jeff Koons que em sua coleção de bolsas assume a condição de mercadoria ligada à arte, gerou protestos nas redes sociais. Uma reação claramente prevista. Michael Burke sabe que “as pessoas ficarão incomodadas com o sagrado entrando no reino do profano. Mas nós gostamos de fazer coisas que são vistas como politicamente incorretas. Se recebemos críticas, acho que estamos fazendo a coisa certa”[67]. No discurso de Koons que pretende erradicar o elitismo do mundo da arte, ele enfatiza sua intenção de proximidade com o público. “Eu espero que as pessoas entendam minhas ideias. Espero que compreendam como uma continuação do meus esforços para acabar com a hierarquia que liga a arte aos antigos mestres”[68]. Koons insiste na ideia de transcendência que, para ele, encontra-se presente em todos os seus trabalhos. Sobre a coleção Masters, comenta: “Elas tocam no metafísico: o aqui e agora e a conexão do passado com o futuro”[69]. A apropriação das pinturas em Gazing Balle Masters atende à uma ideia de rever as imagens históricas no ambiente do kitsch; o que, de fato, é pertinente com o conjunto de obra de Jeff Koons.

Valerie Hegarty certamente não é uma artista-empresária, nem uma grande artista de mercado, portanto possui uma outra abordagem com relação a essa herança cultural; trabalha com a ideia de tradição dos considerados mestres da pintura tratando, muitas vezes, de motivos recorrentes na representação pictórica, como, por exemplo, a concepção do retrato. Hegarty se ocupa da degradação da imagem provocando uma discussão conceitual. “Eu vejo o meu trabalho como a fase de desolação, onde a cultura quebrou. A natureza está assumindo, estabelecendo um terreno fértil para algo novo crescer”[70], comenta. A invasão da natureza, simulada no processo da artista, aparece no retrato de Woman in White, de 2012, anulando o rosto de uma mulher. Neste caso, a carga simbólica contida no quadro, revela-se na invisibilidade da identidade da mulher ao longo da história da arte que, apesar de ser amplamente representada, em sua forma mitológica, religiosa, materna ou na condição de esposa, foi pouco retratada como personalidade. O motivo do retrato (do latim retrahere, copiar), está inicialmente, relacionado à ideia de mimesis; sua importância na tradição pictórica deve-se tanto ao mérito do pintor, devido à dificuldade técnica de captar a essência do retratado, quando ao reconhecimento e status para a pessoa representada. A difusão da retratística, a partir do século XV principalmente, visava atender aos anseios da corte e da burguesia urbana para projetar as próprias imagens, tanto na vida pública quanto na privada. Com a fotografia, o retrato deixou de ser essencial na representatividade da imagem, tornando-se acessível a qualquer pessoa; mas ainda hoje, o retrato feito em pintura contém uma conotação de prestígio.

Valerie Hegarty. Woman in White, 2012.

Os conhecidos retratos do primeiro presidente dos Estados Unidos, Georges Washington, feitos por Gilbert Stuart, em 1796 e Charles Peale, em 1779, foram transformados, nas mãos de Hegarty, em George Washington Chopped, de 2007 e George Washington Portrait on Wall Melted, de 2011. Charles Peale, membro de uma grande família de artistas, era amigo de George Washington e foi incumbido de retratá-lo numa obra que, ao longo dos anos, foi copiada muitas vezes. Outro foi Gilbert Stuart, que adquiriu proeminência internacional após receber a encomenda de pintar outro retrato de Washington. Nos dois casos, apose de Georges Washington, após a interferência da artista, desmorona afetando toda a formalidade de sua postura heroica. A figura do presidente, além dessas duas versões, tornaram-se um motivo bastante explorado nos trabalhos de Hegarty, por causa de sua notável conotação simbólica. O rosto de Georges Washington derretido ganhou quatro versões. “Há definitivamente mensagens sociais e políticas na decadência que abordam a identidade americana e os danos causados pela sua formação”[71], diz a artista. A icônica imagem de Georges Washington é, assim, desfigurada por Hegarty revelando uma postura política. Deformar o rosto que conta uma história, derreter a face que simboliza um país. Assim como no romance O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, que serviu de referênciapara a artista[72], o retrato do presidente é degradado, como se tivesse sofrido as mazelas da história do país.

Francis Bacon quando pintou o Estudo do Retrato do Papa Inocêncio X segundo Velázquez, em 1953, revelou, através da deformação da imagem, um grito, quase audível, que não estava na imagem pintada por Velásquez, em 1650, mas que talvez Bacon tenha encontrado oculto no olhar do Papa. Esse grito, segundo Michael Glover, foi tirado da cena do filme Encouraçado Potemkin, de 1925, de Sergei Eisenstein. De acordo com Glover muitas das imagens de Bacon são palimpsestos[73]; imagens que contem outras imagens. Desabar a imagem, a postura heroica do retrato, revela, em Bacon, uma agonia existencial, demasiadamente humana, despida da pompa social que envolve a figura do Papa. “Todo corpo escapa pela boca que grita”[74], escreve Deleuze.

Francis Bacon.
Estudo do Retrato do Papa Inocêncio X segundo Velázquez, 1953.

Jean-Luc Nancy entende que “o objeto do retrato é, em sentido estrito, o sujeito absoluto: despido de tudo o que não é ele, retirado de toda sua exterioridade”[75]. Captar a essência do sujeito, sem se fixar em seus atributos, seus atos ou posição social, é o que pode se buscar na elaboração de um retrato. “Não apresentar o visível, mas tornar visível”[76], para citar a conhecida frase de Paul Klee; ao que Deleuze questiona “como tornar visíveis forças invisíveis?”. Segundo o filósofo “a força tem uma relação estreita com a sensação”[77]. E nessa sensação Bacon alcança sua expressão mais profunda. Mas enquanto Bacon está interessado na essência do sujeito, buscando acessar seu interior, na angústia que transborda em seu retrato além das vestimentas suntuosas que compõem a imagem do Papa, Hegarty parte do movimento oposto: a postura social é atingida por uma ação externa que desaba sobre a figura. Uma reação da natureza, ou a simulação desta ação, que recai sobre a magnitude de um heroísmo, induzido pela narrativa histórica. Como se a imagem fosse afetada por sua inércia, dissolvendo a figura. A essência do retrato de Hegarty aparece, assim, na própria condição de matéria, evidenciando a precariedade existencial.

A natureza-morta escapa pelas paredes em Flower Fenzy, de 2012. Hegarty trabalha com flores, raízes, plantas, que ocupam além do espaço delimitado pela moldura, sobressaindo para o plano tridimensional. Sua referência nas Vanitas é constante, aludindo a natureza orgânica que confronta a consciência da mortalidade, surgindo no século XV e alcançando seu auge sobretudo no século XVII. Segundo Stoichita, “nunca a natureza foi tão morta quanto nesses incunábulos de gênero, que revelam a convergência de três importantes temas, o trompe-l’oeil, o metapictórico e a vanitas”[78]. Hegarty trabalha com esses temas que , em última instância lidam com o memento mori. Para Damien Hirst, toda arte fala sobre o medo da morte[79], sobre a existência humana diante do tempo. O título “nature morte” nas línguas latinas, ou “still life”, “stilleben” (vida imóvel, vida em suspensão), nas línguas saxônicas, confere a observação de Christine Buci-Gluksmann quando comenta: “a natureza está morta e o quadro é uma vaidade, apresentando os motivos de um devir vão, flores, joias, objetos de adorno ou de ciência, caveiras. O efêmero é um artifício”[80]. A sugestão de decomposição através do artifício, nas obras de Hegarty, evoca a condição da pintura da matéria requisitando um novo olhar para a história. “Tematizar, conscientemente, a forma pela qual estamos situados na história é, nessa medida, já o sinal de que não pertencemos a ela de modo natural”[81], observa Pedro Duarte.

Valerie Hegarty. Flower Frenzy, 2012

Em uma sensação de movimento contínuo, os desastres ficcionais criados por Valerie Hegarty trabalham com a ilusão de uma constante degradação. O que demarca a separação da imagem daquilo que não é imagem, no caso, a moldura, transforma-se em raízes invadindo o lugar da pintura. Como se a natureza retornasse ao seu estado natural. Segundo Stoichita, “a moldura não é imagem ainda e não é tampouco, um simples objeto de espaço envolvente. Pertence à realidade, mas sua razão de ser está em relação com a imagem”[82]. Hegarty, desta maneira, utiliza essa relação entre a moldura e a pintura, criando uma fusão entre dentro e fora do quadro. Sugere uma quebra de fronteira que supostamente separa a imagem da realidade; no entanto, uma falsa realidade, uma vez que seus estragos são induzidos, são simulações de ações lentas, produzidas pela natureza. Uma técnica de trompe-l’oeil, que perturba os sentidos. A matéria invade a pintura criando um lugar entre o tridimensional e o bidimensional. Hegarty, sobre esse tema, coloca: “penso meu trabalho como pintura mais do que escultura, mas há uma transição na maioria das peças onde uma pintura na parede parece explodir ou crescer em três dimensões”[83]. Seu pensamento é pictórico na medida em que usa como recurso a cópia manual em pintura, e escolhe temas que são significativos dentro de uma tradição da história da arte. A sensação de desastre que suas obras causam deve-se principalmente na relação com a pintura, que parece ser original. Esse é o motivo do desastre. Como se um acidente causado pela natureza anulasse a história da humanidade, sobrevivente através das imagens. Ao simular uma destruição provocada pela natureza, Hegarty se isenta de responsabilidade, lida com a impotência diante do sublime da natureza, algo que está fora do controle do ser humano, restando somente o lamento. O trompe-l’oeil se faz tanto na ilusão de ruína quanto na simulação das pinturas como originais. Uma relação com o passado histórico e com a tradição pictórica. Impressões que lidam com a aflição da inércia, lembrando que a crença no eterno é em vão.

Na exposição Treasures from the Wreck of the Unbelievable (Tesouros do Naufrágio do Inacreditável), de Damien Hirst, inaugurada em Veneza, Itália, em abril de 2017, um extenso número de obras simulam uma grande descoberta arqueológica. A sobrevivência dos objetos naufragados compreendem a força da matéria. Uma alusão à história dos naufrágios de navios carregados de objetos, que formaram as coleções de muitos europeus. Esses objetos, que tardam anos para decompor, foram resgatados por algumas operações que ocorreram pelos mares da Europa ao longo do século XX. “As forças naturais do mar e da história não tem dó nem piedade”[84], pronuncia Alexandr Sokurov no filme Francofonia. O transporte das obras no imenso oceano foi responsável por muita perda cultural. Anton Tchecov, escreve: “no mar imenso uma onda eleva-se sobre a outra, e elas não tem compaixão nem piedade”[85]. Em Francofonia, Sokurov reflete sobre essa questão:

“No século XIX, tudo isso foi trazido de navio de bem longe para o Louvre. Alguns foram comprados, outros foram troféus de guerra. Mas nestas longas viagens, sob fortes tempestades, navios sobrecarregados foram a pique. Incontáveis são as criações agora perdidas nas profundezas sufocantes, e incontáveis são as tripulações que pereceram. A que preço e para que? Assim foi a febre dos museus no velho mundo”[86].

Os fragmentos das civilizações antigas, conhecemos através dos objetos sobreviventes. Damien Hirst apresenta 189 objetos entre esculturas de bronze, monstros marinhos, ursos, leões, esfinges, espadas, medusas, bustos de mármore, joias, moedas, espécimes e artefatos históricos, encontrados nos destroços de um enorme navio, o Apistos (do grego ἄπιστος, “inacreditável”). A descoberta aconteceu em 2008, no fundo do mar da costa leste da África. Os objetos eram propriedade de Cif Amotan II, um escravo que viveu entre a metade do século I e o início do século II d.C. em Antáquia, na Turquia e que, após sua libertação, tornou-se um grande colecionador de arte. Descoberto 2.000 anos depois de seu naufrágio, o Apistos, carregava tesouros oriundos de diversas culturas, como asteca, inca, romana, egípcia, entre outras. Devido à grande proporção, a exposição ocupa dois museus pertencentes ao colecionador François Pinault: o Palazzo Grassi, de 5.000 m², localizado no Grande Canal; e o Punta della Dogana, antiga alfândega de Veneza. Os objetos permanecem em seu estado de descoberta, antes de qualquer trabalho de restauro, incrustados de corais e outras formações marinhas. Vídeos e fotografias documentam a operação de resgate, realizada por mergulhadores.

Seria uma descoberta impressionante, se não fosse por um fato: é tudo falso. Damien Hirst constrói uma ficção e materializa essa história elaborando objetos que ao mesmo tempo em que parecem verdadeiros, são descaradamente falsos. Apesar do material utilizado, como por exemplo, o mármore de Carrara, o mesmo que Michelangelo usou para esculpir David, algumas esculturas apresentam elementos da cultura pop. Um Faraó se assemelha a Pharrel Williams, uma Deusa egípcia tem o rosto de Kate Moss, no busto do colecionador Amontan, o próprio auto-retrato de Damien Hirst, ou ainda, Mickey Mouse, para escrachar ainda mais, aparece coberto de corais. Por outro lado referências da história da arte estão todo o tempo presente. Chronos devorando seus filhos, Laocoonte e seus filhos, a Esfinge e mesmo uma alusão aos gabinetes – Wunderkammer – é feita com vitrines que mostram pequenos objetos como moedas, prateleiras e maravilhas naturais. A imponente escultura Demon with Bowl (Demônio com cumbuca) é uma cópia da pintura em miniatura The Ghost of a Flea (O Fantasma de uma pulga), realizada por William Blake, em 1819-20. Hirst transforma uma pintura de 21.4 x 16.2 cm, em uma escultura de 18 metros. O fantasma de uma pulga sugere o caráter humano marcado por traços bestiais, na visão de Blake, “todas as pulgas eram habitadas pelas almas dos homens que eram por natureza sanguinários em excesso”[87]. Hirst elevou essa potência a uma escala gigantesca, revelando a monumental imaginação de Blake contida em sua menor obra.

A escolha de Veneza não é fortuita. Envolta em águas, Veneza ativa sonhos e suscita a imaginação, uma cidade sempre em movimento, sempre a ponto de ser inundada. A água é o elemento transitório, escreve Bachelard, “morre a cada minuto, alguma coisa de sua substância desmorona constantemente”[88]. Com importância no circuito artístico – a 57ª Bienal de Veneza acontece paralelamente à exposição de Hirst –, a cidade favorece o encontro da arte contemporânea com a arte clássica. As descobertas arqueológicas são constantes na Itália, por sua história e localização geográfica, o que torna o local ideal para a ficção de Hirst. Dar formas a um desastre que confirma os poderes da história, uma memória de um feito heroico, um navio que desafia as ondas para transportar objetos de arte. “Para enfrentar a navegação”, diz Bachelard, “é preciso que haja interesses poderosos (…) São os interesses que sonhamos, e não os que calculamos. São os interesses fabulosos. O herói do mar é um herói da morte[89]. Berço da história da arte, a Itália está impregnada de uma tradição que situa a compreensão da obra de arte ante ao mundo. Para Didi-Huberman, para compreender a noção de obra-prima é preciso apreender a constelação que as descobriu ou inventou: “esse ‘mundo da arte’ que escolheu nossas obras-primas e continua designando uma preeminência, uma autoridade, um lugar muito particular na história”[90]. Veneza, neste sentido, é simbólica e nos faz refletir sobre as histórias, os mitos, as verdades e mentiras que permeiam a noção de obra de arte. A originalidade da cópia entra em questão. Afinal, pergunta Gustav Glück, “o que saberíamos da Grécia se não fosse pelas nada nobres cópias romanas?[91]” Hirst com seu conjunto de obras, cria réplicas que remetem à própria noção de história da arte, contaminada pela cultura visual do século XXI.

A quantidade de referências, tanto da tradição histórica quanto da cultura pop, gera uma confusão acobertada pelo pano da ficção e elaborada sobre a ideia do mito. A simulação de uma descoberta tem um fundo real quando Hirst, de fato, mergulha suas obras no fundo do mar e realiza uma produção de vídeos e fotografias que registram o resgate das obras, um pastiche do Discovery Channel. Na entrada da porta principal em Punta Della Dogana, um texto adverte “Em algum lugar entre mentiras e verdades está a verdade”[92]. Hirst não esconde o falso, mas esconde algo de verdade. Esse é o ponto em que a mostra de falsas antiguidades torna-se arte contemporânea. Vivemos, segundo Ralph Keyes, em uma era da pós-verdade, onde “não temos apenas verdades e mentiras, mas uma terceira categoria de afirmações ambíguas que não são exatamente a verdade, mas ficam aquém de uma mentira”[93]. A manipulação de imagens e informações é cada vez mais explícita na arte, na política, na publicidade e em todos os meios de comunicação; tudo é visivelmente manipulado a partir do momento em que a ferramenta de comunicação passa a ser acessível a todos. Como se sabe, tal manipulação sempre existiu, mas, como observa José Luís Pardo, a tecnologia digital aumentou nossa capacidade de nos enganar ampliando as possibilidades de manipular imagens[94]. Marcos Boon percebe que a cópia é dominante na cultura contemporânea, e muitos aspectos “indicam uma obsessão com o ato de copiar e com a produção de cópias, e parece que encontramos uma visão real do que são os seres humanos e o universo ao pensar sobre como e o que copiamos”[95]. Damien Hirst em Treasures from the Wreck of the Unbelievable, copia de várias fontes; elementos da história da arte são contaminados pela cultura pop. O profissionalismo e habilidade na execução de suas peças, mostram a competência de uma grande equipe de produção que, num período de 10 anos, trabalhou sob a direção de Damien Hirst na confecção das obras, a maneira dos antigos. “A verdade tem sido substituída pelo ‘acreditavelmente’”[96], diz Daniel Boorstin. No inacreditável de Damien Hirst, somos convidados a participar do jogo, mas com certa desconfiança.

Talvez a mais incômoda das questões que envolvem a cópia seja a coincidência. Próximo à exposição de Hirst, no Pavilhão de Granada da 57ª Bienal de Veneza, a obra Sea Lungs, do artista Jason de Caires Taylor, que integra a coletiva The Bridge, apresenta uma notável semelhança com Treasures… Visualmente, os trabalhos de Hirst e Taylor se aproximam, ambos são compostos de esculturas cobertas com cracas marinhas, submersas e fotografadas debaixo d’água. Os dois artistas começaram suas pesquisas há dez anos, sem ter conhecimento um do outro. Apesar das semelhanças visuais, os trabalhos divergem conceitualmente. Jason de Caires Taylor é um escultor, ambientalista e fotógrafo subaquático profissional. Interessado na Land Art, suas esculturas apresentam preocupações sociais e ambientais próprias do nosso tempo. Em 2006, Taylor criou um parque de esculturas submarinas, na costa oeste de Granada e em 2009, foi co-fundador do MUSE (Museu Subacuático de Arte), um museu monumental com uma coleção de mais de 500 obras escultóricas, submersas na costa de Cancún, no México. O projeto de Hirst, certamente, difere de Taylor. Damien Hirst está interessado na ficção, em uma história fantástica que aborda questões referentes ao próprio mundo da arte e das descobertas arqueológicas. A coincidência visual pode acontecer sem necessariamente haver intenção de plágio. A desconfiança aparece quando se percebe uma semelhança estética e desaparece quando se descobre a diferença das propostas.

O procedimento de apropriação utilizado por Damien Hirst pode causar desconforto dependendo da situação, é o caso de Golden Heads (Female), que compõe a mostra Treasures… A peça é uma cópia de uma escultura nigeriana Iorubá, do século XIV. A legenda que a acompanha conta uma história fictícia que diverge de seu verdadeiro contexto histórico. A cabeça Iorubá foi encontrada em Ife, em 1938, no período colonial britânico, e, como muitas outras peças, foi retirada do país para fazer parte da coleção do Museu Britânico. Laolu Senbanjo, artista nigeriano, acredita que ao apropriar-se da cabeça de Ife, Hirst conta uma história de ficção que obscurece o legado colonial da Grã-Bretanha e a verdadeira herança da escultura. Ele alega que os ícones como a Medusa ou a Esfinge, também utilizados por Hirst, “são mais reconhecíveis para o público em geral e menos suscetíveis de ter sua própria história apagada”[97]. A preocupação de outro artista nigeriano, Victor Ehikhamenor, também se dá neste sentido, para ele, “os milhares de espectadores que estão vendo isso pela primeira vez, não vão pensar Ife, não vão pensar na Nigéria. Os jovens irão crescer conhecendo este trabalho como de Damien Hirst”[98]. De fato, este trabalho é de Damien Hirst, mas é preciso compreender a estratégia de apropriação artística para poder alcançar a dimensão da mostra e entender cada peça. Senbanjo tem razão quando comenta que a apropriação de ícones reconhecíveis é menos problemática. As referências que não são tão evidentes podem confundir o espectador. Mas talvez seja justamente essa a intenção de Hirst.

Na visão de Matthew Collings, “a exposição fala, de fato, sobre valores e significados, e todo o papel da arte como verdade”[99]. A simulação da degradação dos objetos e a ficção que os envolve, evidencia a constante sentença “memento mori”, presente em toda a produção de Hirst. A morte, segundo o artista, “é uma ideia inaceitável e, assim, a única maneira de lidar com ela é se distanciar ou se divertir”[100]. A temporalidade que faz da moda irmã da morte, como no Dialogo della moda e della morte, de Giacomo Leopardi[101], aparece atuante nas peças de Hirst; a relação entre o passado e o novo é pautada em elementos efêmeros pertencentes à sociedade de consumo, e na crença do eterno que busca preservar a arte. Laura Cumming vê na exposição “uma paródia de toda a tradição da arte como consumo”[102]. Hirst que já está na categoria de artista-empresário construiu um grande simulacro que atende pela ficção à uma variação de questões presentes na tradição artística. O verdadeiramente falso sustenta o que a arte contemporânea, em alguns casos, vem a ser.

A degradação das pinturas de Valerie Hegarty também nos conduz em direção ao memento mori, evidentemente em uma escala bem menor. Seu processo artesanal difere das produções industriais de Hirst, que se apropria dos elementos da história da arte e da cultura visual de maneira fragmentada, para transformar em outros objetos. Para Hegarty, a importância da manufatura justifica seu gesto. Como copista, ela reproduz a pintura tal como é, e somente depois interfere, deteriorando a tela. Quando ela queima, rasga ou fura suas telas, está realmente destruindo parte de seu trabalho; mas a aparência de ruína, sugere uma ação provocada por um outro tempo, regido pelas leis da natureza; um tempo lento, estratificado, que foge do controle humano, atuando diretamente na matéria. Ilusão que opera em uma construção alegórica, questionando valores presentes na tradição da pintura dentro da história da arte. Essa pintura, reconhecida como cópia, e sua ruína indica a falsidade. É na fusão desses dois procedimentos, no entanto, que acontece o trabalho; no encontro em que se faz presente, a originalidade da cópia e a veracidade do falso.

NOTAS

[1] A prática artística americana desde sua época colonial foi referenciada no modelo de arte europeia, principalmente inglesa; posteriormente, com a Independência, retratos e obras históricas contribuíram para a institucionalização das artes à serviço do Estado, colaborando para a construção de um imaginário simbólico ocupado em exaltar a autonomia e grandeza da pátria. A conexão do modelo artístico europeu com a produção da pintura americana se deu através do processo de imitação das consideradas obras-primas da história da arte. Neste contexto, não somente a pintura histórica, como também a paisagem e a natureza-morta foram amplamente difundidos. A cópia desses gêneros de pintura, afirmou-se ainda mais no período romântico, no domínio técnico como condição para a manifestação a originalidade. A negação desse antigo sistema de modelos e técnicas por parte das vanguardas modernistas expôs uma mudança que fez da cidade de Nova York o novo polo cultural.

[2] BENJAMIN, 1984, p.187.

[3] GÖRRES apud BENJAMIN, ibidem., loc. cit.

[4] BENJAMIN, op. cit., p.199.

[5] Cfr. Ibidem, p.184.

[6] Ibidem, p.199.

[7] WENDERS, 2001, p. 420. Tradução livre da autora. No original: “understanding myths not as history, but for their force now, today”.

[8] DELEUZE, 2007, p.87.

[9] Cfr. OSPINA, 1971, p.2.

[10] Ibidem, p.3.

[11] HEGARTY, 2013. Tradução livre da autora. No original: “I’m not really interested in the fetishization of decay. Decayin my work is a way to talk about the breakdown of ideas that are no longer working.”

[12] HEGARTY, 2008. Tradução livre da autora. No original: “I’ve been working a lot with sublime landscapes. I recreated an Albert Bierstadt masterpiece Among the Sierra Nevada, California (1868), a sublime mountain scene, and I made it look as if it had been attacked by a woodpecker. In that work, it was as if nature had rearranged or tweaked the painting to be a more accurate reflection of the current situation in the world, whereas the original painting was a more idealized version”.

[13] Ibidem. Tradução livre da autora. No original: “A natural disaster is itself a sublime event”.

[14] HEGARTY, 2013. Tradução livre da autora. No original: “They are created reproductions that appear to be destroyed. As the decay is very carefully crafted and sculpted, the worked is actually constructed rather than deconstructed, although the illusion is the opposite”.

[15] Cfr. SAINT GIRONS, 2008, p. 240.

[16] Cfr. KATZ, 2008.

[17] INGRES, apud DURO, 2015, p. 26. Tradução livre da autora. No original: “This is no pastiche, this is no copy…I’ve left my mark…Certainly I admire the masters, I bow down before them…above all before the greatest (Raphael)….but I don’t copy them….I have drunk their milk, I have nourished my self on it, I have tried to appropriate their sublime qualities….but I have not pastiched them”.

[18] DURO, op. cit. Tradução livre da autora. No original: “the object imitated was not the material painting at all; rather he has imitated the idea –that stage of picture making that lies behind Raphael’s painting as it lies behind every original creation”.

[19] Cfr. BOIME, 1964.

[20] KRAUSS, 2009, p. 180. Tradução livre da autora. No original: “No es éste el lugar adecuado para analizar el fascinante asunto del papel de la copia en la práctica pictórica del siglo XIX y sus implicaciones en el concepto de lo original, lo espontáneo y lo nuevo?”

[21] Ibidem, loc. cit.. Tradução livre da autora. No original: “la copia sirvió como punto de partida para el desarrollo de un signo cada vez más organizado y codificado de espontaneidad”.

[22] DUARTE, 2011, p.99.

[23] Ibidem., loc. cit.

[24] Cfr. KRAUSS, op. cit., p.180.

[25] Ibidem, p.181. Tradução livre da autora. No original: “el discurso de la originalidad del cual participa el impresionismo reprime y desacredita el discurso complementario de la copia. Tanto la vanguardia como el arte moderno dependen de esta represión”.

[26] WIM WENDERS e ANTONIONI, 1995.

[27] GRAW, 2004. Tradução livre da autora. No original: “Copying a picture means no more than appropriate by reproducing it, and to thus internalize the knowledge contained in the image”.

[28] VALÉRY, 2012, p.61.

[29] Ibidem, loc. cit.

[30] Cfr. KRAUSS, op. cit., p.182.

[31] HEGARTY, 2008. Tradução livre da autora. No original: “Making the work myself shows that I’m actually sincere. If this work were just about making fun of the history of painting, I could just get some paintings and stomp on them. But it’s not about that. I’m breaking these paintings after spending months making them and getting attached to them”.

[32] HEGARTY, op. cit. Tradução livre da autora. No original: “I work so intensely with my hands that I end up knowing every bend and twist in the pieces that I make—as if I’m absorbing them on a cellular level”.

[33] BARTHES apud SONTAG, 2005.

[34] LI in:DURO (org.), op. cit., p.133. Tradução livre da autora. No original: “The copy, rather, is a candid reflection of the modern myth of the unique original as being created independently of material desires, a myth which purportedly safeguards art’s integrity from the crass market concerns of reproduction and mass production”.

[35] Ibidem, loc. cit.. Tradução livre da autora. No original: “Instead of simply being the meca of copy culture and the decline of art culture, Dafen’s skilled and customizable hand-painted art reproductions sustain the continued faith in the original while at the same time empowering its patrons’ creative license to mediate it”.

[36] Ibidem, p. 137. Tradução livre da autora. No original: “This dichotomy between the physical art object and its imagistic existence that Dafen artists regularly have to negotiate suggests the need to re-evaluate the seemingly fixed and obvious meaning of what is understood as “the original””.

[37] Ibidem, p. 140. Tradução livre da autora. No original: “Dafen is ultimately about the conflation of art and image, a conflation that facilitates art’s transformation into a consumable product of property”.

[38] Ibidem, p. 143. Tradução livre da autora. No original: “Liu exploits Dafen’s commodity operationthat allows people to access not only the priceless image in their heart, but also the act of creating it”.

[39] Ibidem, loc. cit.. Tradução livre da autora. No original: “The buyer of the canvas inevitably becomes complicit with Dafen in flouting the assumptions in modern art of originality uniqueness, and a single creator, tropes from which Dafen’s ‘copy’ industry also gains its livelihood”.

[40] KOONS apud NEEDHAM, 2015. Tradução livre da autora. No original: “Each one’s unique”.

[41] Ibidem. Tradução livre da autora. No original: “The images, he said, “are all handmade paintings, every mark on here has been applied by a brush. These are as exact replicas visually as the originals, they’re different in size, they’re flat, they don’t have dimensional paint” – in other words, a raised surface – “because they’re just the idea of the painting. This is just the idea of the Mona Lisa, the idea of Leonardo da Vinci, this is the idea of Marcel Duchamp’s LHOOQ, this is the idea of Andy.”

[42] LIPOVETSKY e SERROY, 2015, p.28.

[43] Cfr. THOMPSON, 2008.

[44] Cfr. FOSTER in: NICHOLLS, 2015, (41:25).

[45] KOONS in: Ibidem.

[46] KOONS apud TOMKINS, 2009, p.221.

[47] TOMKINS, Ibidem, p. 205.

[48] LIPOVETSKY e SERROY, Op. Cit., p.304.

[49] Ibidem, p. 313.

[50] Ibidem, loc. cit.

[51] As Gazing Balls foram feitas por artesãos italianos, no século XIII, para decorar os jardins dos palácios. Os reis acreditavam que essas esferas traziam sorte e protegiam dos espíritos maus. Na época vitoriana, na Inglaterra, as esferas chegaram a decorar mesas e foram chamadas de “butler ball” (globo do mordomo), pois devido ao seu efeito reflexivo ajudava a perceber os visitantes com discrição. No século XIX, Rei Ludwig II, da Bavaria utilizou-as na decoração de todos os jardins de seu castelo. E no início do século XX ganharam popularidade aparecendo em muitos jardins modernistas, buscado pelo efeito de luz e reflexão, na art-deco e na estética moderna na década de 1930 e 1940. Após esse período, a partir da década de 1950, muitas casas na Europa e nos Estados Unidos, passaram a usar essas esferas para ornamentar os jardins, no entanto, caíram no gosto suburbano, do período entre-guerras, e, assim como os anões de jardim, foram vistos como kitsch. Jeff Koons que nasceu em 1955 conviveu, em sua infância na Pensilvânia, com essas esferas de jardim. Fonte: HOLCOMB Karen. What Is the Meaning of a Gazing Ball?. Disponível em: https://www.hunker.com/12000233/what-is-the-meaning-of-a-gazing-ball. (Acesso em 20/03/2017).

[52] KOONS in: NICHOLLS, op. cit., (59:00).

[53] ROSENTHAL, 2016. Tradução livre da autora. No original: “Some may be tempted to call these versions copies, but that is to denigrate their individual bewildering and stupefying execution, where every nuance of colour, not to mention craquelure and other signs of ageing, have been hand-wrought”.

[54] STOICHITA, 2011, p. 311. Tradução livre da autora. No original: “La metáfora clave de la imagen clave de la imagen pictórica europea fue, desde el Renacimiento, la metáfora especular”.

[55] Ibidem, p.344. Tradução livre da autora. No original: “Hacia 1600, la pintura europea cuenta con la tradición en la representación autorreflexiva que había alcanzado el estadio del autorretrato como (sub)género pictórico”.

[56] Ibidem, p.343. Tradução livre da autora. “el autorretrato firma una obra de la que el autor forma parte”.

[57] BAUDRILLARD apud LIPOVETSKY e SERROY, op. cit.,p.126.

[58] MARTINEZ apud FRIEDMAN, 2007. Tradução livre da autora. No original: “I totally agree with this project”.

[59] BURKE apud Ibidem.

[60] LIPOVETSKY e SERROY, op. cit.,p.78.

[61] JONES, 2017. Tradução livre da autora. No original: “This is not simply a line of luxury bags. It is an artist’s meditation on the masters”.

[62] GAGOSIAN apud FRIEDMAN, op. cit.

[63] Ibidem.

[64] LIPOVETSKY e SERROY, op. cit.,p.89.

[65] Ibidem, p.90.

[66] STALLABRASS, 2014.

[67] Ibidem.

[68] KOONS apud FRIEDMAN, op. cit. Tradução livre da autora. No original: “I hope people understand my ideas,” Mr. Koons said. “I hope they embrace them as a continuation of my effort to erase the hierarchy attached to fine art and old masters.”

[69] Ibidem. Tradução livre da autora. No original: “They touch on the metaphysical: the right here right now and its connection to the past and the future”.

[70] HEGARTY, op. cit. “I see my work as the desolation phase, where culture has broken down. Nature is taking over, laying a fertile ground for something new to grow”.

[71] HEGARTY, op. cit. Tradução livre da autora. No original: “There are definitely social and political messages in the decay that address American identity and the damage created through its formation”.

[72] Cfr. Ibidem.

[73] Cfr. GLOVER, 2013.

[74] DELEUZE, 2007, p.35.

[75] NANCY, 2006, p.11. Tradução livre da autora. No original: “El objeto del retrato es, en sentido estricto, el sujeto absoluto: despegado de todo lo que no es él, retirado de toda exterioridad”.

[76] KLEE apud DELEUZE, op. cit., p.62.

[77] DELEUZE, Ibidem, p.63.

[78] STOICHITA, op. cit., p.54. Tradução livre da autora. No original: “Nunca la naturaleza ha sido másmuerta que en estos incunables del género, que revelan la convergencia de tres importantes temas, el trampantojo, lo metapictórico, la vanitas”.

[79] HIRST in: NICHOLLS, op. cit.,(25:10). Tradução livre da autora. No original: “I think all art is about a fear to death”

[80] BUCI-GLUKSMANN, 2006, p. 29. Tradução livre da autora. No original: “La naturaleza está muerta y el cuadro es una vanidad, presentando los motivos de un devenir vano, flores, joyas, objetos de adorno o de ciencia, calaveras. Lo efímero es un artificio”.

[81] DUARTE, op. cit., p.99.

[82] STOICHITA, op. cit., p.67. Tradução livre da autora. No original: “El marco no es imagen todavía y no es tampoco, un simple objeto del espacio envolvente. Pertenece a la realidad, pero su razón de ser está en su relación con la imagen”.

[83] HEGARTY, op. cit. Tradução livre da autora. No original: “I think of my work as painting more than sculpture, but there is a transition in most pieces where a painting on the wall appears to explode or grow into three dimensions”.

[84] SOKUROV, 2015, (7:05).

[85] TCHECOV apud Ibidem, (7:10).

[86] Ibidem. (36:53).

[87] BLAKE, 2011. Tradução livre da autora. No original: “All fleas were inhabited by the souls of men who were by nature bloodthirsty to excess”.

[88] BACHELARD, 2002, p.7.

[89] Ibidem, p.76.

[90] DIDI-HUBERMAN, 2013, p.13. Tradução livre da autora. No original: “Ese ‘mundo del arte’ que eligió nuestras obras-maestras y continua asignándoles una preeminencia, una autoridad, un lugar muy particular en la historia”.

[91] GLÜCK apud ANTELO, 2007, p.13.

[92] A expressão em inglês apresenta um duplo sentido já que a palavra “lie” pode significar tanto “mentira” quanto “repouso” dependendo do sentido da frase: “Somewhere between lies and truth lies the truth”.

[93] KEYES, 2004, p.15. Tradução livre da autora. No original: “In the post-truth era we don’t just have truth and lies, but a third category of ambiguous statements that are not exactly the truth but fall short of a lie”.

[94] Cfr. PARDO, Op. Cit. Tradução livre da autora. No original: “La tecnología digital aumenta nuestra capacidad de engañarnos a nosotros mismos al aumentar nuestras posibilidades de manipular imágenes”.

[95] BOON, 2010, p.4. Tradução livre da autora. No original: “many of the most vibrant aspects of contemporary culture indicate an obsession with the act of copying and the production of copies, and it seems that we find real insight into what human beings and the universe are like through thinking about how and what we copy”.

[96] BOORSTIN, apud Ibidem, p.3. Tradução livre da autora. No original:“Truth has been displaced by ‘believability’”.

[97] SENBANJO apud MEISELMAN, 2017. Tradução livre da autora. No original: “But unlike the Ife head, these icons are more recognizable to the general public and less susceptible to having their own history erased, Senbanjo argues”.

[98] Ibidem. Tradução livre da autora. No original: “for the thousands of viewers seeing this for the first time, they won’t think Ife, they won’t think Nigeria. Their young ones will grow up to know this work as Damien Hirst’s.”

[99] COLLINGS, 2017. Tradução livre da autora. No original: “The show is in fact a fiction about value and meaning, and the role of art as truth”.

[100] TOMKINS, 2009, p. 17.

[101] LEOPARDI, 1969.

[102] CUMMING, 2017. Tradução livre da autora. No original: “he parodies the whole tradition of art as shopping”.

*Ilusão de desastre: Valerie Hegarty arruína cópias é inédito e foi escrito em 2017, como um capítulo da tese A ORIGINALIDADE DA CÓPIA: arte contemporânea no início do século XXI, apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), como requisito para obtenção do grau de Doutora em Artes Visuais, sob orientação do Prof. Antônio Carlos Vargas Sant’Anna. Dr..

Lucila Vilela é artista visual e pesquisadora. Doutora em Artes Visuais pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2017). Mestre em Estudos Avançados em História da Arte, pela Universidade de Barcelona (2008). Graduada em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2001). Realizou o Projeto CASA, de Artes Visuais e Performances, nas cidades de Florianópolis/SC (2010) e Joinville/SC (2014) com o prêmio Edital Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura, da Fundação Catarinense de Cultura. Co-editora da Revista Digital InterArtive: Contemporary Art and Thought (www.interartive.org). Vive e trabalha em Florianópolis-SC.