Ele criou um sol artificial, uma chuva congelada (uma sala escura onde os pingos de uma chuva artificial pareciam imóveis graças a flashes de luz), tingiu de verde um rio, colocou espelhos nas rodas de bicicletas que refletiam a cidade de Berlim e fez “brotar” quatro cachoeiras da ponte do Brooklyn, em Nova York. Ele é o artista dinamarquês Olafur Eliasson, cuja obra é uma das principais atrações do 17º Festival Internacional de Arte Contemporânea SESC_Videobrasil, que começa dia 30 de setembro em três espaços culturais de São Paulo. A exposição Seu corpo da obra, primeira individual de Olafur Eliasson na América Latina, reúne dez instalações site-specific que dialogam com a cidade e com a arquitetura dos três espaços que abrigam o Festival: SESC Belenzinho, SESC Pompeia e Pinacoteca do Estado.
A 17ª edição marca a transformação do Videobrasil, originalmente dedicado à produção em vídeo, em uma plataforma que une outras mídias e suportes. “O Festival não se abre a todas as manifestações artísticas por acaso, mas como resultado de um processo que vem acompanhando a mudança no papel das linguagens audiovisuais na produção contemporâneas”, diz a curadora-geral Solange Farkas. E a escolha de Eliasson como artista convidado reforça esta mudança. “Quando pensei em qual artista trazer para essa edição do festival, já sabia que seria o Olafur há muito tempo. A idéia era trazer um artista que dialogasse com isso que queremos apontar, uma arte híbrida, aberta, que dialoga com a ciência, com o entorno e com o espectador, que participa da obra quase como um dispositivo. A particularidade do Olafur é trabalhar com questões trazidas pela ciência, pelo cinema, pela tecnologia, de uma forma que já não comporta qualquer limitação por linguagem e que se impõe como experiência sensorial”.
Eliasson (nascido em Copenhagen, em 1967) é hoje um dos mais importantes nomes da arte contemporânea. Ele cria instalações espetaculares que combinam luz, água, temperatura, fumaça e movimento. Suas obras estabelecem uma relação imediata não só com o espaço arquitetônico como também com o seu entorno. E principalmente com o público. Segundo o artista, o título Seu corpo da obra toca o papel crucial do espectador na criação de sentidos para a obra, ao mesmo tempo em que sublinha o caráter abrangente do conteúdo. “Você trabalha a vida inteira, e tudo o que faz e aprende se inscreve em seu corpo. Você é um espectador-produtor da própria história, já que contribui, ou dá, mais do que recebe”, afirma.
O ponto de partida para a concepção da exposição brasileira foram as suas impressões e indagações sobre os espaços da cidade. No SESC Pompéia, antiga fábrica de tambores transformada em espaço cultural nos anos 1980, as concepções de Eliasson encontram os espaços generosos projetados pela arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi para a convivência e a fruição da população do entorno. “A exposição propõe uma rede de experiências em torno de uma geografia temporária para São Paulo, criando uma série de narrativas que se somam na experiência do espectador”, diz Jochen Volz, curador da exposição e diretor artístico do Instituto Inhotim, em Minas Gerais, que possui três trabalhos do artista em seu acervo.
Aqui em São Paulo, um conjunto de obras que envolvem cor, luz e fumaça transformarão a área de convivência do SESC Pompéia, com 1.500 metros quadrados, em um labirinto de experiências sensoriais. Na área expositiva contígua, configurada como uma sala de cinema, haverá projeções por todos os lados que envolvem o espectador. Eliasson experimenta com o conceito de after image – a contraimagem que permanece na retina exposta à luz – com imagens de São Paulo, em uma obra criada em colaboração com o cineasta brasileiro Karim Aïnouz. “A obra comissionada pelo festival é ‘After Image’, um trabalho resultado de uma provocação que fiz ao Olafur, um desafio. Propus chamar um outro artista que tivesse uma afinidade conceitual e artística com ele, e fazer um filme inspirado nele. Na verdade é um filme do Karim e a obra do Olafur é o personagem central”, define Solange Farkas.
No SESC Belenzinho, que atende a uma das regiões mais carentes de equipamentos de lazer e cultura da cidade, o artista mostra um dispositivo rotativo que projeta faixas de luz no espaço circundante. Na Pinacoteca, concentra experiências com uma das ferramentas mais clássicas da arte – o espelho – para dialogar com a arquitetura da Pinacoteca do Estado, prédio clássico que sofreu uma intervenção do premiado arquiteto Paulo Mendes da Rocha há mais de uma década.
A exposição também dará origem a um livro editado pelo artista, o curador Jochen Volz e a Associação Cultural Videobrasil, com lançamento previsto para novembro pelas Edições SESC. Além de imagens de todas as obras instaladas e de séries fotográficas produzidas por Eliasson em sua viagem de reconhecimento a São Paulo, o livro reúne ensaios de teóricos brasileiros, que relacionam diferentes aspectos de sua obra à produção local em campos como arte, ciência e arquitetura.
A obra de Eliasson também será tema de um filme da série Videobrasil Coleção de Autores, que reúne documentários ensaísticos sobre o processo de trabalho de artistas contemporâneos de relevo, como o sul- africano William Kentridge, a norte- americana Coco Fusco e o grupo brasileiro Chelpa Ferro. Com lançamento previsto para fevereiro ou marco de 2012, o filme sobre Olafur, sétimo da série, é dirigido por Aïnouz, conhecido por obras como Madame Satã (2004) e O Abismo Prateado, que participou da Quinzena dos Realizadores em Cannes em 2011.
Olafur Eliasson Participou da 24ª edição da Bienal de São Paulo em 1998, e representou a Dinamarca na 50a Bienal de Veneza em 2003. Estudou na Academia Real Dinamarquesa de Belas Artes entre 1989 e 1995, e desde então está radicado em Berlim, onde tem seu ateliê-laboratório, que funciona como um espaço interdisciplinar. Ele mantém um estúdio que primeiramente era localizado em um armazém ao lado da Hamburger Bahnhof, uma antiga estação ferroviária; daí mudou-se em 2008 para uma antiga cervejaria de 1842, em um prédio de três andares em Prenzlauer Berg, bairro intelectual da ex-Berlim Oriental. Tem uma equipe de mais de 40 funcionários e para muitos projetos, trabalha em colaboração com especialistas em vários campos, entre eles arquitetos, paisagistas, engenheiros, artesãos, e auxiliares que trabalham em conjunto. E Eliasson ainda arranja tempo para ministrar aulas em uma das escolas de arte mais famosas do mundo, a Kunste Berlim.
Seu trabalho tem lidado muito, nos últimos anos, com o espaço público. As New York City Waterfalls (2008), por exemplo, propiciam uma experiência coletiva em um lugar público, e mesmo que em sua escala eles sejam imensos, como diz o próprio artista “eles não são incompreensíveis. Esses projetos lidam com a experiência coletiva sem que isso dificulte a experiência individual de cada um.” Mas um de seus mais emblemáticos trabalhos, e o que o tornou mundialmente conhecido foi The Weather Project (2003), realizado na Tate Modern, em Londres, onde ele – no hall de pé direito altíssimo do museu – “recria” o sol com luzes artificiais. Na verdade, um quarto de uma esfera amarela, brilhante e ao mesmo tempo opaca, que era refletida no teto espelhado do monumental hall. É difícil não lembrar das obras de James Turrel, mas ali a experiência acontece com uma eficácia e naturalidade pouco vista na arte contemporânea. Em uma entrevista recente o artista disse que o tipo de pesquisa que faz para suas exposições é “saber como é sentir os espaços, não só como eles parecem.
É muito difícil não usar adjetivos para descrever a obra de Olafur Eliasson. É uma experiência estética e sensorial; hipnótica e sedutora. Alguns de seus trabalhos podem nos deixar desnorteados, nos seqüestrar da realidade e deixar nós, espectadores, e também protagonistas da obra, diante de um acontecimento único. Suas obras trabalham com um misto de percepções visuais, auditivas e táteis que lidam com o espaço e a luz, e com a nossa reação às mudanças da natureza, sejam elas reais ou imaginárias. Não há nenhuma charada conceitual para ser decifrada. Há apenas o belo e o sublime.
BOX FESTIVAL
Com 1.300 inscritos, 130 convidados, entre artistas, curadores e pesquisadores, e exposições que se estendem até janeiro de 2012, a 17ª edição do festival oferece uma intensa programação educativa, que discute diferentes aspectos da produção artística atual. São 97 artistas selecionados para a mostra Panoramas do Sul, que mapeia a produção recente da América Latina, África, Europa do Leste, Oriente Médio e Ásia; e que também inclui quatro trabalhos comissionados pelo Festival. A ação beneficia artistas jovens, residentes em São Paulo, escolhidos por projetos. Os trabalhos estão sendo desenvolvidos na Casa Tomada. A mostra Panoramas do Sul dará a artistas escolhidos por um júri internacional um grande prêmio em dinheiro, no valor bruto de R$ 45 mil. Além dele, o júri trabalha em cooperação com representantes da rede de residências artísticas ligada ao Videobrasil para atribuir oito prêmios-residência no Brasil, Holanda, França, Ilhas Maurício e Bolívia. O júri de premiação é formado pelo crítico brasileiro Rodrigo Moura, curador do Instituto Inhotim; pela curadora nigeriana Bisi Silva; pelo curador espanhol Agustín Pérez Rubio; pela argentina Gabriela Salgado, mestre em curadoria contemporânea pelo Royal College of Art, Londres; e pela artista boliviana Raquel Schwartz. “Gosto de afirmar que o festival é um pouco mais além do rótulo de evento, ele é de fato uma plataforma expandida de arte contemporânea. E nesses últimos dez anos começamos a nos aproximar cada vez mais dela. A cada edição convidamos um artista para criar o troféu. Já tivemos Carmela Gross, Raquel Garbelotti, Luiz Zerbini, Rosangela Rennó, e esse ano convidamos o Tunga”, conclui Solange Farkas.
* Texto escrito na ocasião da exposição Seu corpo da obra, primeira individual de Olafur Eliasson na América Latina, no 17º Festival Internacional de Arte Contemporânea SESC_Videobrasil, em outubro de 2011.
Jurandy Valença é alagoano, morou e trabalhou em São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro. Atualmente é radicado em São Paulo (SP). Artista visual, curador, jornalista e poeta, morou e trabalhou com a escritora e poeta Hilda Hilst entre 1991 e 1994, publicou um livro de poesia em 1992, e trabalhou com moda no extinto Phytoervas Fashion, no qual foi coordenador de produção. Desenvolve trabalhos em fotografia desde 1998. Participou de mais de 75 exposições, entre individuais e coletivas, nas quais recebeu três prêmios aquisições; realizou cerca de 15 curadorias e foi tema de Documentário exibido na TV Sesc-Senac. Possui obras em acervos públicos e em coleções particulares. Colaborou para diversas revistas como Caros Amigos, Harper’s Bazaar, Select, Bamboo, Dasartes e Mag!, entre outras, escrevendo sobre artes, arquitetura, design e literatura. Foi coordenador da Oficina Cultural Oswald de Andrade, em São Paulo, entre 2007 e 2010, diretor de projetos do Instituto Hilda Hilst entre 2012 e 2014, e curador da galeria online www.conectearte.com.br. Foi coordenador geral dos Centros Culturais e Teatros da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, redator do Mapa das Artes São Paulo por 16 anos e diretor adjunto do Centro Cultural São Paulo (CCSP). Atualmente realiza curadorias para o Atelier Paulista e para a Fundação Mokiti Okada. É colaborador de arte e cultura na plataforma Bemglô, e na revista Continente.