A arte imita a vida e a vida imita a arte. A primeira afirmação foi cunhada por Aristóteles no livro Física, Vol. II e influenciou muito do que se fazia na arte da antiguidade clássica até os impressionistas; a segunda foi um trocadilho espelhado que fiz para relativizar nosso momento global de vida pandêmica e imaginar este momento como uma grande performance na vida. Na busca por reconhecer sentimentos que emergiram durante os dias em que nos encontramos reclusos, percebo que um deles é de ter no corpo a memória do tempo performático, a autosubmissão às restrições para criar situações onde o público e o artista experimentam mudanças de estado no tempo presente, na matéria sólida e no espaço sinestésico.
O performer vai se submeter à todas as restrições coerentes com a proposta do trabalho e estou consciente de que, no caso da Covid-19, não é uma escolha e somos obrigados a viver este tempo presente, a encarar solidões, a auto percepção dos pensamentos, sentimentos bons relacionados à independência obtida nesta solidão e sentimentos ambíguos, isto para citar alguns dos sentimentos possíveis na privação do livre arbítrio de ir e vir.
O tempo parece correr apressado porque estamos nele em um ritmo próprio, muitas vezes ralentado o movimento no dia, mas com o correr das horas muito mais rápido para a percepção de quem o vive no cotidiano em que estávamos imersos outrora. O relógio se distancia e o tempo é vivência constante. O conceito de arte e vida ganha força e é um espelho para ajudar na aceitação da vida como ela está! No presente mais que “perfeito”.
O confinamento é uma estratégia muito usada em performances para criar uma realidade com as condições para que o corpo humano entre em outras dimensões do corpo, conseguindo expressar para o outro este estado das coisas, pela energia que produz na mudança da lógica no tempo presente e no como estar presente. Estas ações produzidas pelo campo da arte têm como pressuposto estarem imersas na vida, pois estão sobre o tempo presente e no limite deste corpo.
Estamos no mês de abril, ano de 2020, em plena quarentena onde mais de 7 bilhões de pessoas no mundo se encontram em recolhimento “espontâneo”, para evitarmos que um vírus acabe com a maioria ou com toda a vida humana no planeta. Uma situação já vivenciada em pandemias globais, como a gripe Espanhola, mas jamais imaginada por nós nos dias de hoje, quando existem tecnologias tão avançadas e a promessa de proteção e longevidade vendida pela indústria farmacêutica como solução para todos os nossos incômodos na vida.
O Corona chega para desmentir ou redimensionar a prepotência do homem sobre a força criativa da natureza, forçando-nos a entender que nada se sobrepõe e que tudo está ligado a um sistema único de coexistências. Deste modo, quando algo tenta se sobrepor às forças da natureza, sem respeitar seus limites e causando um desequilíbrio, ela não hesita e, com força total, tenta reverter ou transformar a situação para que as coisas se reacomodem em um novo equilíbrio. É isto que estamos vivendo e que já estava sendo anunciado pelo aquecimento global e a degradação da vida humana, causados pelos exageros do homem para criar mais riqueza artificial, capital. Agora sentimos nossa natureza ameaçada e encontramos força para adaptar e transformar nossas possibilidades de estar no momento presente.
A mentalidade capitalista vem há muito criando um simulacro e uma idealização do valor da vida através da moeda que se fabrica para valorar matérias necessárias para nosso desenvolvimento e sobrevivência, ou somente por acúmulo desnecessário. Este movimento chegou ao cúmulo de se ver, há poucos anos atrás, nos noticiários sobre o mundo, a medição de que um povo ou uma nação está ou não se saindo bem pelo tanto que se vendia de carros ou de produtos brutos, ligados à cadeia global de enriquecimento desigual. Chegamos ao absurdo, como no Brasil, de hoje em dia pagarmos impostos quando compramos nossos alimentos, para que venenos (agrotóxicos) sejam colocados em culturas de hortifrúti. Como consequência disto, temos graves doenças; e a desculpa para se fazer o envenenamento é a de ser eficiente para a fabricação quantitativa destes, em detrimento do crescimento demográfico no mundo. Na verdade, são jogos para que as indústrias, que já dominam os diferentes mercados, continuem crescendo seus ganhos sem respeitar ou levar em consideração a vida de um ser humano e de toda a natureza.
Quando ouvimos sobre as logísticas financeiras do mundo com todos os bilhões mencionados, não conseguimos nem calcular, imaginariamente, o que esta quantidade significa, pois tudo isso passa muito longe de um cidadão comum da terra. São muito poucos os donos deste universo de valores e ficamos totalmente cegos e impotentes diante desta força de vida monetizada e inflada com outros artifícios monetários.
Será que estes seres manipuladores têm alguma consciência da sua própria vida?
Será que são felizes em ver bilhões de pessoas tendo uma sobrevida diminuída, desconfortável e degradante para que possam esbanjar futilidades pelo mundo das commodities cômodas?
O simulacro de que o valor da vida se mede pelo valor do capital criou um desentendimento e um afastamento de nossa natureza verdadeira.
A vida se mede pela qualidade que nós, como natureza, sendo parte dela, podemos ter a possibilidade de viver com dignidade e sermos felizes. Há somente um país no mundo hoje, o Butão, que usa este parâmetro como medida para saber se estão realmente usando os valores criados para dar suporte a todos em uma condição de igualdade, uma vida saudável em harmonia com o corpo humano. Neste país mede-se o “enriquecimento” da nação pela proporção de felicidade de seu povo, uma ótica totalmente impossível no resto do globo terrestre contemporâneo até este momento.
E rebatendo este espelhamento de quem imita quem, hoje a arte imita a vida inclusive na sua lógica monetária, e muitas vezes é o próprio mercado de arte quem tem criado artifícios para lavagem de grandes quantidades de dinheiro ilícito, ganhos pelos jogos nefastos dos valores capitais. A arte realmente imita a vida e cria grandes feiras e eventos em que a lógica monetária e quantitativa muitas vezes ganha mais brilho do que pequenos detalhes da sensibilidade divina de nossa natureza verdadeira, desvalorizada por explicitar estas regras de sobrevivência na selva urbana. É claro que o artista e todos os setores envolvidos com a cultura e com a arte, precisam se financiar para o sustento de nossa existência. As feiras, eventos como bienais e as exposições nas galerias e museus, são momentos maravilhosos de troca do sensível e uma celebração do potencial humano, por isto têm que existir sempre. Precisamos ganhar espaço para redimensionar nossas vivências dentro e com estes acontecimentos na vida, criando a mais valia de todos e, principalmente, valorizar o acontecimento artístico como alimento para o espírito do homem e para a cultura global. Desta forma, em vez de imitar a vida nesta ótica da eficiência econômica, poderíamos reconhecer o desenvolvimento de outros valores humanos na arte, valorizando nossas conquistas em anos de experimentos onde arte e vida estão entrelaçados e reconhecem-se valorosos em muitos sentidos além do óbvio, coexistindo na natureza.
No início do século XX, os artistas compreenderam a noção de arte e vida. A rica troca de conhecimentos e realidades que esta fricção pode gerar permitiu, desde então, o uso de objetos cotidianos, história, atitudes e uma infinidade de materiais. Várias articulações foram feitas no sentido da arte se aproximar de outros campos do conhecimento, como a antropologia, a ciência e a sociologia. No caso da performance, isto ainda se amplia para mais áreas, como a de estudos do movimento do corpo, do som, do espaço, do tempo e da dramaturgia. Assim, a arte ampliou sua possibilidade de existência e de diálogo com o outro. Depois, este conceito foi mais e mais incorporado para trazer uma relação direta entre vida e arte. Experimentos com a performance no mundo, desde as ações dadaístas até o grande movimento performático que invadiu as artes nos anos 50, 60, 70 e nos dias de hoje, explicitam esta relação.
Mas a situação do mundo atual, antes deste momento recluso, mostrava-nos outro ritmo: temos que correr para tudo, ser mais produtivo, “eficiente”, 24/7[1], a falta de sono e a necessidade de sedativos, compulsões de todos os gêneros, etc.
Alguém pergunta:
– Tudo bem?
O outro logo responde como se fosse a normalidade e com o orgulho de ser ocupado:
– Na correria, e você?
A arte de hoje, vai expelir tudo o que digerimos nesta vida da desigualdade social. É por isto, que muitos artistas vão ter a necessidade de explicitar nossa situação de vida na terra em suas proporções chocantes. Frequentemente ouvimos, pela ótica do cidadão comum, que é a grande parte da população mundial, excluída naturalmente de eventos culturais, o sentimento de que a denominada arte contemporânea se tornou o palco da feiura, de imagens desagradáveis, do nonsense, de gráficos, de crueldades explicitas ou de formas puras, tornando-se incompreendida e distante desta grande maioria humana. Visível e “compreendida” por uma elite cultural e social. A pior consequência disto, é ver a arte ainda desconectada desta parte da população terrestre que, além de desnutrida fisicamente, perdem a possibilidade do efeito de transformação e questionamento que a arte provoca.
O artista trabalha com a transmutação de matérias (física ou social), assim como da imagem no olhar e no sentir. O artista ainda consegue ver beleza no lixo, nas paisagens devastadas, na decadência social e usa o potencial e a sensibilidade artística, aliada ao poder da imagem, dentro deste contexto, para sensibilizar quem observa e vivencia a arte em muitas direções.
Mas, o que mais me interessa aqui, é o elo que podemos fazer entre o que as pessoas estão vivendo e a situação de confinamento e regras de movimentação social, desenvolvendo em nós o senso de mudanças do “estado do corpo” pelo qual estamos passando e percebendo. Muitas vezes não queremos sentir, não estamos preparados, mas perdemos a oportunidade de acalmar e respirar o tempo sem pressa. O artista da performance usa o tempo como um construtor da imagem/paisagem/acontecimento. Sob o olhar ansioso do ser humano tecnológico, imprime na mente a experiência do corpo em movimento sobre este tempo ou, ao reverso, do tempo em movimento sobre o corpo paralisado. O corpo na performance tem que estar consciente de seu tempo particular, real e irreal. Real porque está no presente, no tempo da vida, e irreal porque usa os deslocamentos criando uma outra dimensão do agora, no presente, para subverter esta presença na manipulação do tempo e da lógica no cotidiano. O artista usa acelerar ou retardar o tempo presente ao controlar o corpo performático, imbuído de uma tensão própria no ser e no estar. A partir deste esculpir, do espaço temporal da performance, gradualmente envolvemos o público e conectamos seus pensamentos com o acontecimento. No lapso do tempo, o indivíduo presente imagina e sente outras camadas estimuladas pela ação, envolvendo, além do tempo, a matéria, o som e o espaço.
Há alguma semelhança entre o tempo que a pandemia nos colocou e o tempo provocado por uma performance de longa duração, considerando que na performance outro tempo é construído para surgir uma nova percepção. Isto está acontecendo com todos em seu espaço íntimo, no tempo presente e no limite da casa/corpo. Dentro deste limite existe o “risco”, que é um outro dado fundamental da performance e também nos ronda agora. O limite, na verdade, é o que nos dá a liberdade de expansão porque sabemos onde extravasar e não deixar extrapolar este contorno sem consciência e presença.
Temos a oportunidade de nos reconectar com nosso sentido próprio de tempo em cada ação realizada neste novo sistema em que estamos aprendendo a estar no agora.
O tempo é uma invenção imaginada pelo homem. Desde a percepção da regularidade de certos eventos da natureza, principalmente da luminosidade e da escuridão, ele liga tudo. Mas na performance, outro tempo é construído para criar uma nova percepção, possibilitar pensamentos, questões, sentimentos e a viabilidade de integração de todos os elementos ali presentes. Isto é exatamente o que esta acontecendo com todos em seu espaço íntimo, casa e corpo. Temos a oportunidade de nos reconectar com nosso sentido próprio de tempo em cada ação realizada neste novo sistema em que estamos aprendendo a estar agora. Como em uma performance, mas estando no centro dela, sendo o corpo vivencial, muitas sensações do espectador ansioso serão diluídas no vivenciar do novo espaço em que vivemos o agora, imponderável na situação em que nos encontramos. A performance, muitas vezes, é mal recebida por ser sentida como monótona, pois é preciso estar disponível e desprovido do tempo de nossa realidade virtual, apressado, e permitir a entrada deste outro tempo. O ser humano é domesticado no tempo “real” capitalizado, acelerado pela tecnologia e pela necessidade de ser produtivo na máquina desta indústria, acreditando nesta realidade como verdade. A arte precisa e vai sempre nos lembrar desta relatividade, inventando outras equações, redimensionando valores e percepções, pois esta é uma de suas maiores funções na vida.
O performer, além de se deslocar no tempo, coloca-se em rituais que tencionam limites muitas vezes incompreendidos por quem esta de fora na observação e, por ironia do destino, muito similar ao que estamos vivendo. Muitas vezes, este limite é somente ficar imóvel respirando por muitas horas. Uma ação como esta fica bem mais próxima da realidade se nos permitirmos viver este momento com consciência e tranquilidade de respirar no tempo presente sem pressa. A pandemia nos colocou um novo tempo em que é totalmente possível, em uma segunda-feira, coisa inimaginável de se vivenciar antes. Podemos relativizar imposições da indústria como os horários de nos alimentar, acordar, dormir e muitos outros aspectos de nossa vida hoje que foram levados a um total desregramento, nos dando uma realidade aleatória como um material a ser remodelado no tempo que de tão dilatado parece pequeno.
Agora, cada um de nós, pode sentir em si como o performer usa o seu corpo criando energia adquirida na restrição, reinventando o momento vivido no presente! Muitas vezes é desconfortável, mas por passar por aquele momento, tendo se submetido a toda ordem de situações desejadas e de acasos possíveis, ele encontra o alivio através de um outro estado que é alcançado quando nos concentramos em nossa percepção. Perceberemos que, com o passar do tempo de confinamento, vamos começar a ganhar nova energia, adaptando o psicológico e a percepção do tempo.
A arte nos ensina que podemos nos libertar da lógica na vida cotidiana a que fomos condicionados e que chamamos “realidade” na ética social imposta, desta maneira podemos transmutar o momento em ações corporais, estéticas e ações sobre o tempo vivido como nas performances de longa duração.
Podemos citar aqui o artista taiwanês Tehching Hsieh em sua One Year Performance 1980-1981. Ele se confinou em um quarto durante um ano e, a cada hora, registrava sua presença em foto e filme, dia e noite, resultando em um filme de 6 minutos. De novo a percepção do tempo sobre o corpo. Nas palavras do artista: “esta performance pode ser vista como uma repetição contínua, mas em minha percepção, cada hora vivida intensamente não se repetia, era nova, porque estamos em um processo. O mais difícil foi dormir e acordar a cada hora, mas na vida é o mesmo, estamos sempre esperando a próxima hora, e temos que nos manter calmos. Um ano é o tempo que a Terra leva para circular o Sol. A vida é a condição da vida. A vida é o passar do tempo. A vida é o pensamento livre”.
Estas situações afetam o corpo e sua consciência, criando energia para suportá-las além de nossa imaginação, para se entregar ao vivido, submetendo-se à equações nunca imaginadas antes daquela maneira. A submissão ao momento vivido é a base fundamental de uma ação performática. Mas, no Brasil, temos muita resistência a nos submeter a algo, pois temos uma noção distorcida, militarizada e torturante da disciplina, resultantes de nossa vivência no regime militar. Disciplina e submissão são muito importantes para se alcançar evoluções em nosso ser. O sujeito quer liberdade, mas não há liberdade sem limites, pois sem sabermos de nosso contorno perdemos a forma no espaço.
Para se criar uma performance de longa duração, é necessário criar estratégias de reconhecimento deste contorno, repetições que se renovam a cada momento, como em um jogo de improviso. Muitos podem pensar que improvisar é fazer sem saber mas, ao contrário disto, o improviso exige, a priori, o conhecimento de uma base da forma, e assim podemos expandir e correr riscos pois sabemos para onde voltar com segurança, assim como voltar para casa em nosso cotidiano. O acontecimento regular cria a forma reconhecível, uma base para que o inconsciente e o acaso ocorram sem perderem-se no delírio e no emocional.
Os improvisos corporais exigem a atenção no tempo, no espaço e com o outro. Desde que entendi que o movimento e o corpo eram um material importante na minha linguagem, submeto este corpo a distintos treinamentos como: natação, yoga, dança, meditação, etc.…tudo que pode elaborar mais minha atenção e me dar resistência para suportar, psíquica e corporalmente, um novo estado. O improviso, treinado na música e na dança, deu-me a habilidade de lidar com acontecimentos inesperados como parte integrante e desejada da obra.
Nestas alterações de mudança de estado, do performer e de nosso recolhimento atual, pode-se experimentar um certo desconforto com o corpo e o tempo espaçado, ralentado e que se revela mais rápido por que usamos cada segundo vivido com a percepção macroscópica deste tempo.
Quem sabe esta noção vivida pode trazer uma aproximação e compreensão das pessoas sobre as premissas criadas pela arte da performance para expressar a vida com a experiência corporal vivida no tempo? Desde já credito que muitas pessoas poderão, no futuro próximo, sensibilizar-se com uma ação performática, conscientes da similaridade do que vivemos agora com o que a arte tenta oferecer à percepção do outro no tempo e no espaço. A diferença, no caso da pandemia, é que este confinamento não foi uma escolha. Mas, pode vir a ser!
Agora, quem está nos dando este contorno é a natureza, criando um vírus que, de maneira muito viva, com energia muito criativa, vai devolvendo ao homem a violência depositada nesta natureza da qual somos parte.
A oportunidade aqui é de se criar consciência de seus próprios limites e se expandir, lapidando o espírito e o funcionamento de todo o corpo etéreo, energético e sinestésico. O tempo está suspenso como em uma performance, mas quantas vezes suportamos ser o expectador de uma performance por 2 horas? Hoje podemos nos localizar dentro deste espaço atemporal, parar de ser quem assiste e assumir sua presença na vida; deixar de se sentir aprisionado e dependente das telas planas, iluminadas a frio, para não se sentir isolado. Estas telas são instrumentos importantíssimos neste momento em que não podemos nos conectar materialmente ao outro. É o único sistema seguro de diálogo e contato com o material e as necessidades da vida. Mas podemos, agora que as funções capitais que nos fazem viver na correria ralentaram, descansar os olhos e olhar para dentro, aceitando o tempo de reflexão, introspecção e vivência de si. Por mais que esta experiência pareça solitária, está sendo vivida por todos os humanos na Terra. Quem não se submeter a ela, se desintegrará!
Seremos afetados pela ação que praticamos pois o corpo físico e o corpo psíquico sempre estão ligados, principalmente, porque uma experiência vivida com submissão e profundidade deixa marcas ou espectros no espírito e no corpo sensorial. Assim, imagino a oportunidade de viver este momento como uma escolha de estar agindo no tempo, não deixando o emocional conduzir nosso desespero e desorientação. O performer quer controlar sua presença dentro do inadequado para experimentar outras possibilidades de se perceber e de sentir a expansão da vida no corpo. A transmutação da matéria evocada na vida, quando estamos próximos da morte, traz mudanças de ângulo e renascimento de olhares.
Sem apreender o agora não criamos um vínculo com o imaterial. O mundo material anestesia o sentido. A globalização finalmente tem a chance de se tornar uma verdade, sem fronteiras, conectando-se nesta ação coletiva, um dando energia para o outro. E estando no tempo, de maneira íntegra e profunda, podemos gerar energia em todo o globo como acontece em um espaço performático.
NOTA
[1] No livro 24/7 Capitalismo tardio e os fins do sono, o autor Jonathan Crary revela-nos a distopia gerada por táticas de Guerra, onde homens eram deixados semanas sem dormir para poderem matar sem remorsos, deixando seu sistema nervoso estressado ao ponto de se tornarem máquinas de matar. Depois, isso foi e está sendo transferido para nosso cotidiano numa desvalia do sono pela eficiência da produtividade. Na página 40 ele afirma: “Na verdade, a eficácia 24/7 está na incompatibilidade que desvela, na discrepância entre um mundo–da–vida humano e a evocação de um universo aceso e sem interruptores.”
*Texto escrito em confinamento, ao longo de abril de 2020, publicado anteriormente no site da Mostra Perplexa. A Mostra Perplexa acontece desde 2009, semestralmente, no âmbito das disciplinas Introdução à Performance e Performance, oferecidas na Escola Guignard, da Universidade Federal de Minas Gerais – UEMG, e ministradas por Marco Paulo Rolla. Uma versão menor deste mesmo texto foi publicado em junho na revista Arte! Brasileiros.
Marco Paulo Rolla (São Domingos do Prata, MG, 1967) é artista multidisiplinar desde 1987, Mestre em Artes pela Escola de Belas Artes da UFMG e Bacharel em Artes pela mesma instituição. Foi residente na Rijksakademie van Beeldende Kunsten (Holanda), em 1998 e 1999. Desde 2001 é criador, coordenador e editor do CEIA – Centro de Experimentação e Informação de Arte (www.ceiaart.com.br). Realizou exposições individuais no Brasil, Alemanha, Argentina e Holanda. Participou de exposições coletivas no MAM do Rio de Janeiro; MAM de São Paulo; Rohrbach Zement, Alemanha; Muu Gallery, Finlândia; na Foundazione Pistoletto, Italy; no Haarlem Museum, Holanda, entre outras. Em 2010, participou da programação de performance da 29A Bienal de São Paulo. Ganhador do Premio Aquisição do Salão Nacional da FUNARTE e do Premio Edgard Gunther do MAC de São Paulo. Em 2015, integrou o grupo de performers convidados da “Terra Comunal”, de Marina Abromovic, no SESC São Paulo. Seus trabalhos encontram-se em coleções como a do MAM de São Paulo, Instituto Itaú Cultural, Museu de Arte da Pampulha, Inhotim e Dragão do Mar (Fortaleza). Desde 2009, é professor da Escola Guignard, onde criou as disciplinas de performance e é orientador e curador da Mostra Perplexa.